- Aí não sou a melhor intérprete. Para mim há duas pessoas que simbolizam a solidão, a Amália e o José Carlos Ary dos Santos. A minha nada têm nada a ver com a solidão de um ou de outro. Conhecia muito bem o Ary, nos bons e nos maus momentos, e nunca tivemos qualquer tipo de desentendimento, e estou a incluir os assuntos políticos, nada de nada. Ele costumava dizer que eu era muito mais comunista do que ele, era genial e adoravelmente ordinário. A solidão dele tinha tanto de poesia e de talento que quase era parecida com a solidão da Amália.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
domingo, 1 de novembro de 2020
Solidão
Associa a solidão ao talento.
- O mais possível. A solidão da solidão, por isso é que a Amália só se deitava às seis da manhã, achava que a noite era morrer, por acaso também acho um bocadinho. E por isso vivo à noite, gosto da noite para estar de olhos abertos, de manhã sou insuportável. É mesmo isto, agora que o penso. A noite é tudo, posso ter as dores todas, mas chego às duas da manhã e estou ótima, tenho dores na mesma, mas nem as sinto. As pessoas da noite têm um encanto que as que gostam do dia não têm, são umas chatas.
• Excerto da conversa de Luís Osório com Simone de Oliveira que poderá ler na íntegra no livro "30 Portugueses, 1 País"
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