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Antes do mais, a meu ver, convém esclarecer que aquilo que o actual governo quer impor às freguesias, não é uma reforma político-administrativa, mas um conjunto de alterações avulsas, coerciva e apressadamente gizadas, feita à medida do chamado plano de reajustamento, ou Memorando de Entendimento (ME), celebrado pelo estado português sob a batuta do governo socialista de Sócrates com a Troika (FMI, CE e BCE), e com o acordo do PSD e CDS-PP. Recorde-se que em Fevereiro de 2006, foi anunciado a Lei-Quadro de Criação de Autarquias Locais, que passaria a chamar-se "Lei-Quadro de Criação, Fusão e Extinção de Autarquias Locais". Aquela Lei visava pôr em marcha a fusão de freguesias com dimensões mínimas. A operação, segundo o secretário de estado que então tinha a tutela do assunto (Eduardo Cabrita), começaria nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, nos municípios com mais de 50 mil habitantes. É por esta razão que António Costa veio, mais tarde, a iniciar um processo nesse sentido em Lisboa.
Desde já, um ponto prévio.
Não sou defensor de que tudo, nomeadamente no que concerne às organizações humanas, é eterno.
Daí, encarar como perfeitamente natural reformas dos sistemas político-administrativos. Contudo, essas reformas têm de assentar em estudos fundamentados e tendo em conta a realidade.
Reformas político-administrativas coerentes e sérias, só se justificam quando ocorrem três condições fundamentais: necessidade comprovada de reforma (através do resultado de trabalhos científicos, do debate e acção política e de comparações/imposições internacionais), existência de tempo e de recursos para promover a reforma mais adequada às circunstâncias e, finalmente, vontade de promover a reforma por uma via democrática no referencial constitucional em vigor.
No actual momento, creio que não será estultícia apontar que não se verificou nenhuma das três condições formuladas (salvo a imposição da Troika, que não é coisa pouca).
Verifica-se, isso sim, que o governo quer impor um conjunto de alterações no referencial autárquico desajustado ao caso concreto português, no geral, e à Figueira, em particular.
O ministro Relvas, que quase sempre se descontrola quando aborda este tema, disse, há tempos, entre outras coisas, que esta reforma é incontornável porque, pasme-se, a última tinha sido feita há 150 anos!
Esqueceu-se foi de clarificar qual seria o ciclo mínimo para fazer este tipo de reformas: 10, 20, 30, 40, 50, 60, 70 80, 90 ou 100 anos?
Além do mais, não é verdade que, no que às freguesias diz respeito, a tal reforma tenha sido feita há 150 anos. O ministro confunde a reforma administrativa municipalista liberal com a realidade, diferente, das freguesias, porque essas só foram estabilizadas mais tarde, já no advento da república. E, em todo o caso, seria bom recordar ao ministro que, Portugal, lá por existir há cerca de um milénio, não tem que ser extinto!
Uma reforma séria, profunda e coerente de todo o universo autárquico português, implica muito mais do que a questão simples, mas muito polémica, do desenho administrativo territorial de municípios e freguesias.
A ANAFRE reagiu, então, de forma enérgica, e os jornais passaram a dizer que o governo apenas queria agrupar algumas freguesias das zonas urbanas. Depois, o assunto caiu no esquecimento.
O ministro Relvas, a própria Troika e António Costa, que já reduziu o número das freguesias de Lisboa, não estão a tentar materializar nada caído do céu recentemente.
A questão, não obstante as suas características artificiais, tem, pelo menos, seis anos.
Aqui chegados, impõe-se perguntar se, numa situação de profunda crise económica, financeira e social, se deverá dar prioridade a reformas deste tipo? Parece, a meu ver, que a resposta sensata, é negativa, até porque é muito incerto que a redução do número de freguesias conduza, por si só, a uma redução sensível das despesas públicas. Por esse mesmo motivo, e em coerência, também não parece ser a altura mais adequada para avançar com a regionalização, não obstante os seus méritos potenciais.
É quase surreal que, numa conjuntura como é a actual, se queira forçar esta reforma, que seria sempre difícil e complexa em si mesma, quanto mais quando conduzida sob a batuta coerciva e antidemocrática dos princípios defendidos pelo ministro Relvas em nome da Troika.
Será que a maioria parlamentar, e o próprio primeiro-ministro, ainda não perceberam que os conflitos "necessários e reais" que a sua política socioeconómica impõem, já são mais do que suficientes para lhes tornarem a vida difícil?
No caso concrecto da Figueira colocar a questão em 18, 10 ou apenas uma freguesia, quanto a mim é um falso problema.
Quanto a mim, a verdadeira questão é: para que servem as freguesias?.. E como servem!..
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