...40% dos automóveis das ARS são já do século passado.
Numa lista em que não faltam clássicos dos anos 1980, como o Citroën 2 CV, o caso mais extremo é o de uma Renault 4L com a mesma idade do sistema democrático português: 44 anos. Uma viatura anterior ao Serviço Nacional de Saúde, que tem irmãs já em museus, mas que continua ao serviço do Agrupamento de Centros de Saúde Dão-Lafões (ACES), da Administração Regional de Saúde do Centro.
O DN confirmou que o carro com matrícula de 1974 ainda circula e transporta, por exemplo, equipas de cuidados domiciliários em casos de emergência. Isto se os profissionais não se recusarem a fazê-lo, por razões de segurança. Problemas que se estendem a pelo menos metade do parque automóvel do ACES Dão-Lafões - que, segundo informações recolhidas pelo DN, precisa de renovação - e que estão longe de se resumir à zona centro.
Os dados entregues às câmaras mostram que as administrações de saúde gastaram, em 2016, cerca de 2,5 milhões de euros com as suas 821 viaturas, já incluindo gastos com combustível. Se olharmos apenas para os custos de manutenção e com seguros, esse valor ficou pouco acima dos 900 mil euros, cerca de metade do que foi gasto em táxis. E de uma amostra nacional de 280 automóveis (os dados das datas das matrículas no norte e em Lisboa e Vale do Tejo não são legíveis), 40% são do século passado, enquanto os modelos com menos de cinco anos são muito raros.
Mais de metade da frota e dos custos com viaturas estão concentrados no norte e em Lisboa e Vale do Tejo, enquanto o centro se destaca como a região que mais gasta em táxis.
Questionada porque não investe este dinheiro na renovação da frota, como reclamam os profissionais de saúde, a ARS centro limita-se a responder ao DN que "tem nesta altura 180 viaturas ativas", três delas doadas em 2017 na sequência dos incêndios que afetaram a região. Já Lisboa e Vale do Tejo, que tem 262 carros para os seus 15 agrupamentos, admite: "Com o aumento do número de domicílios há uma maior necessidade de disponibilização de viaturas para transporte de pessoal, profissionais de saúde", estando prevista para este ano a aquisição de 30 automóveis, que correspondem a 12% da atual frota. "Mantendo esta cadência de aquisição, ao longo dos próximos anos será possível ver rejuvenescida, consideravelmente, a idade média das viaturas."
Um investimento também previsto no norte, que tem 800 mil euros destinados à renovação de frota - que é nesta altura de 324 carros - nos próximos quatro anos, "além de estar a tratar de soluções alternativas a curto prazo", indica a ARS, que não dá detalhes sobre essas soluções e se o recurso a táxis faz parte desse lote. Em 2016, o norte gastou 767 mil euros em táxis, quase tanto como o centro, que tinha menos 135 viaturas.
Visitas ao domicílio feitas a pé
"Estamos a falar de despesismo puro e duro e de uma má estratégia em termos assistenciais, que serve para alimentar interesses privados", acusa Sérgio Branco, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros, que relata casos de profissionais com problemas para prestar cuidados ao domicílio. "No Algarve, há uma equipa que faz visitas a pé, viagens de vários quilómetros, porque lhes quiseram imputar os custos de incidentes com as viaturas. A frota automóvel é violenta em termos de segurança e de higiene. Há uns tempos fui chamado a um centro de saúde de Loulé porque estavam a tentar usar uma viatura que não podia circular, por ter chumbado na inspeção, para transportar alunos de enfermagem."
A Administração Regional de Saúde contrapõe que não tem despesas com táxis e que "em janeiro de 2017 a ARS reforçou a frota com três novas unidades (em regime de aluguer operacional de veículos) para apoiar a atividade global de cuidados de saúde primários".
No Alentejo, a Administração Regional de Saúde admite a falta de veículos para "deslocação às extensões rurais e domicílios". A maior dificuldade prende-se "com a falta de viaturas para o elevado número de quilómetros, devido à grande dispersão geográfica que caracteriza o Alentejo. Este fator tem reflexos nos elevados custos com a conservação e reparação de viaturas", argumenta em respostas enviadas ao DN, nas quais também informa que não gasta dinheiro em táxis e que 30% da sua frota tem uma idade igual ou inferior a 2000.
Já neste ano, em visita à Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano, deputados do Bloco de Esquerda criticaram o governo por gastar quantias avultadas em táxis para transportar os profissionais de saúde, em vez de investir na frota, como tinha sido acordado com os partidos de esquerda. "Todos sabemos que nesta região, tendo em conta a dispersão geográfica e a idade e o perfil de saúde das pessoas, é preocupante a falta de viaturas que permitam a deslocação dos profissionais de saúde aos domicílios", alertou na altura o deputado bloquista Moisés Ferreira.
"Mas não é um problema tão simples como parece", realça o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, que lembra que há questões práticas que se colocam no terreno, "como uma enfermeira que vai e volta num táxi, ficando à porta do seu destino, sem ter de se preocupar com lugares de estacionamento, ou questões como os seguros dos carros". No entanto, Rui Nogueira reconhece que as despesas com táxis são muito elevadas.
Via Diário de Notícias
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