Mais um dia.
Lá vai, com alegria, o poeta na bicicleta, qual camelo, em direcção ao Cabedelo, símbolo do tempo de um dia de verão.
De pulmões e mochila às costas, a respirar, lá vai, bico no ar, o poeta a dar à pata nos pedais.
Leva a memória, dos dias vividos, alguns deles quase sobrenaturais, a história secreta da bicicleta.
O movimento é simples.
Os êmbolos do coração ao ritmo dos pedais e lá vai o poeta em direcção aos seus sinais...
A dar à pata como os outros animais!
Mais um dia, com alegria, a dar aos pedais, como os outros animais!..
Mais um dia...
Com a pata sobre os pedais, o poeta mal ousa pedalar.
E, não é engano, não é por lhe faltar o ar: é que o terreno é plano.
Já no Cabedelo, qual camelo, pára de pedalar, frente ao mar.
Parece uma abécula perdida.
A vida é curta.
Apesar de bem nutrida, puta de vida.
Subdesenvolvida.
Ao camelo até o Cabedelo lhe querem roubar!..
Será para proteger os crentes das intempéries, que sopram da terra, mas, que nos querem fazer crer, vindas do lado do mar?
Responda quem souber, que eu, francamente, estou-me a marimbar.
Quero, como camelo que sou, continuar ter o Cabedelo que foi do meu avô...
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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