António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
Portugal à Frente! Mas à frente em quê? por NUNO SARAIVA
07 de junho de 2015 / DN on line Dizem-nos que se chama Portugal à Frente porque o interesse nacional é o que os move. Não questiono, em circunstância alguma, a bondade das intenções e, muito menos, o patriotismo de quem quer que seja. Mas o nome da aliança renovada entre PSD e CDS não deixa de me causar interrogações e perplexidades.
A primeira - e óbvia - é à frente em quê? Portugal é, segundo a insuspeita Cáritas, o país da Europa onde a taxa de risco de pobreza e de exclusão social mais cresceu no último ano. Somos, de acordo com todos os relatórios internacionais, a terceira dívida pública mais elevada da UE e um dos países onde este parâmetro mais cresceu. Temos, de acordo com o Eurostat, o quinto desemprego mais elevado dos países europeus. Estamos também na cauda da zona euro - quintos a contar do fim - no que respeita ao valor do salário mínimo, só ultrapassados neste ranking por potentados económicos como a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a Eslováquia. Temos, em termos relativos, das maiores vagas emigratórias dos países europeus. Será desta vanguarda trágica que, quem governa, nos quer impingir orgulho? Manda a honestidade que se diga que, de facto, na comparação com o Portugal de 2011, há um ou outro indicador mais favorável. Desde logo os juros da dívida. Mas o mesmo rigor impõe que se assuma que esta realidade só foi possível graças ao "canhão Draghi", isto é, à intervenção do Banco Central Europeu.
Regresso ao nome de batismo da coligação de direita, porque a política também se faz de siglas. Se "Portugal à Frente" for representado pelas iniciais dos dois substantivos, unidas pela preposição, o resultado é P.A.F. Curiosamente a mesma sigla poderia significar Programa de Assistência Financeira. Bem sei que há não muito tempo, PSD e CDS celebraram o primeiro aniversário da saída da troika. Mas não me esqueço de que foi o atual primeiro-ministro quem assumiu com entusiasmo, nos idos de 2011, que o programa de ajustamento seria o seu programa de governo. E que não só o quis concretizar sem desvios, apesar da dor infligida, como não hesitou em decidir, e isso hoje é indesmentível, ir muito para além do memorando.
Mas, se quisermos simplificar, podemos deixar cair a preposição da sigla e ficamos apenas com P.F. Ora, para traduzir esta designação as possibilidades são infindáveis. "Promessas Falhadas" ou "Promessas Falsas", afinal de contas a leitura factual daquilo que foram estes quatro anos, analisados a partir dos compromissos assumidos - e nunca cumpridos - por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas na campanha das últimas legislativas. Isto é, para pedir o voto valeu prometer tudo, mesmo sabendo que nunca se iria cumprir. Cortar subsídios de férias e de Natal era um disparate, aumentar impostos nem pensar, que o país não aguentava, reduzir salários ou pensões era uma invenção sem sentido, despedir funcionários não passava de uma mistificação. Enfim, a mentira como modo de fazer política.
Mas P.F. pode também significar "Portugal a Fingir". Paulo Portas dizia, ufano e triunfal, que "a ideia de crise já bazou". Não sei que país conhece o vice-primeiro-ministro, mas só pode ser o mesmo retratado há meses pelo líder parlamentar do PSD, quando afirmava que "a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor". "Portugal a Fingir" é também sinónimo desta coligação em que, como é público e notório, o Pedro passa a vida a olhar por cima do ombro, não vá o Paulo fazer das suas. E nem sequer se preocupam em disfarçar.
São estas pessoas, que têm cadastro político em vez de currículo, que nos vêm agora garantir "previsibilidade", "confiança" e "estabilidade política". São estas pessoas que querem mexer na Segurança Social sem nos dizer como - sim, já sabemos que é cortar nas pensões atribuídas - que nos vêm pedir novo cheque em branco. Repito por isso a pergunta: Portugal à Frente, mas em quê?
1 comentário:
Portugal à Frente! Mas à frente em quê?
por NUNO SARAIVA
07 de junho de 2015 / DN on line
Dizem-nos que se chama Portugal à Frente porque o interesse nacional é o que os move. Não questiono, em circunstância alguma, a bondade das intenções e, muito menos, o patriotismo de quem quer que seja. Mas o nome da aliança renovada entre PSD e CDS não deixa de me causar interrogações e perplexidades.
A primeira - e óbvia - é à frente em quê? Portugal é, segundo a insuspeita Cáritas, o país da Europa onde a taxa de risco de pobreza e de exclusão social mais cresceu no último ano. Somos, de acordo com todos os relatórios internacionais, a terceira dívida pública mais elevada da UE e um dos países onde este parâmetro mais cresceu. Temos, de acordo com o Eurostat, o quinto desemprego mais elevado dos países europeus. Estamos também na cauda da zona euro - quintos a contar do fim - no que respeita ao valor do salário mínimo, só ultrapassados neste ranking por potentados económicos como a Estónia, a Letónia, a Lituânia e a Eslováquia. Temos, em termos relativos, das maiores vagas emigratórias dos países europeus. Será desta vanguarda trágica que, quem governa, nos quer impingir orgulho?
Manda a honestidade que se diga que, de facto, na comparação com o Portugal de 2011, há um ou outro indicador mais favorável. Desde logo os juros da dívida. Mas o mesmo rigor impõe que se assuma que esta realidade só foi possível graças ao "canhão Draghi", isto é, à intervenção do Banco Central Europeu.
Regresso ao nome de batismo da coligação de direita, porque a política também se faz de siglas. Se "Portugal à Frente" for representado pelas iniciais dos dois substantivos, unidas pela preposição, o resultado é P.A.F. Curiosamente a mesma sigla poderia significar Programa de Assistência Financeira. Bem sei que há não muito tempo, PSD e CDS celebraram o primeiro aniversário da saída da troika. Mas não me esqueço de que foi o atual primeiro-ministro quem assumiu com entusiasmo, nos idos de 2011, que o programa de ajustamento seria o seu programa de governo. E que não só o quis concretizar sem desvios, apesar da dor infligida, como não hesitou em decidir, e isso hoje é indesmentível, ir muito para além do memorando.
Mas, se quisermos simplificar, podemos deixar cair a preposição da sigla e ficamos apenas com P.F. Ora, para traduzir esta designação as possibilidades são infindáveis. "Promessas Falhadas" ou "Promessas Falsas", afinal de contas a leitura factual daquilo que foram estes quatro anos, analisados a partir dos compromissos assumidos - e nunca cumpridos - por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas na campanha das últimas legislativas. Isto é, para pedir o voto valeu prometer tudo, mesmo sabendo que nunca se iria cumprir. Cortar subsídios de férias e de Natal era um disparate, aumentar impostos nem pensar, que o país não aguentava, reduzir salários ou pensões era uma invenção sem sentido, despedir funcionários não passava de uma mistificação. Enfim, a mentira como modo de fazer política.
Mas P.F. pode também significar "Portugal a Fingir". Paulo Portas dizia, ufano e triunfal, que "a ideia de crise já bazou". Não sei que país conhece o vice-primeiro-ministro, mas só pode ser o mesmo retratado há meses pelo líder parlamentar do PSD, quando afirmava que "a vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor". "Portugal a Fingir" é também sinónimo desta coligação em que, como é público e notório, o Pedro passa a vida a olhar por cima do ombro, não vá o Paulo fazer das suas. E nem sequer se preocupam em disfarçar.
São estas pessoas, que têm cadastro político em vez de currículo, que nos vêm agora garantir "previsibilidade", "confiança" e "estabilidade política". São estas pessoas que querem mexer na Segurança Social sem nos dizer como - sim, já sabemos que é cortar nas pensões atribuídas - que nos vêm pedir novo cheque em branco. Repito por isso a pergunta: Portugal à Frente, mas em quê?
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