“Até
ao fim da adolescência, eu ia regularmente à missa, assistia ao
Santo ofício, confessava-me. Hoje passa-se algo como um regresso às
origens, não porque me tenha tornado de novo católico praticante,
evidentemente, mas percebo que no fundo tenho uma concepção
religiosa do universo. Vi, um dia destes, «O Evangelho Segundo São
Mateus», de Pasolini, e fiquei perturbado. E estou a ler autores
como S. João da Cruz e S. Francisco de Assis. Há uma espécie de
reencontro com os ensinamentos de Cristo, não o Cristo
institucional, o eclesiástico da minha infância, mas o Cristo dos
que têm fome
e sede de justiça...”
Entrevista
a José Afonso, in
«Expresso», 15/6/85
Após o tributo que dediquei ao
José Afonso na semana passada, fui incentivado, por várias pessoas,
a escrever algo mais relacionado com este exemplar cidadão.
A ideia que me ocorreu e que
sempre inquietou o José Afonso, desde a célebre canção dos
vampiros de 1963, era de facto, a
necessidade de mais justiça social.
Por essa mesma altura,
curiosamente, do outro lado do Atlântico, também Martin Luther King
lutava pela justiça e semeou o seu sonho (“I have a dream”…).
Este combate, tão caro a José
Afonso, 41 anos após o 25 de Abril está incompleto, pois, apesar de
inegáveis avanços, registam-se, infelizmente, grandes retrocessos.
José Afonso, hoje, teria motivos
de sobra para cantar e denunciar quem são os verdadeiros vampiros.
Eles têm cara e têm rosto! Estes vampiros irão agradecer, dentro
de menos de um ano, aos súbditos que em Portugal fizeram o seu jogo,
à custa do empobrecimento da população, da privatização de
sectores - chave da economia e da destruição de eixos sociais do
Estado.
José Afonso, se fosse vivo,
denunciaria a vergonha que é a disparidade dos valores das reformas
quando comparadas com as dos que, por trabalharem cerca de dez anos,
obtêm reformas antes dos 50 anos, de valores pornográficos, para
cima de 7.000€ – que o diga a presidente da Assembleia da
República…
A larga maioria dos portugueses,
pessoas que trabalharam uma vida inteira, obtém reformas miseráveis
inferiores a 300,00€. Isto é inaceitável num país que se diz
democrático… É também intolerável que cerca de 2 milhões de
portugueses vivam na pobreza.
Em contraponto, os privilégios da
classe política são denunciados nas redes sociais, e criticados nas
tertúlias de café, aparecem exibidos nos mails que recebemos e
enviamos aos amigos…mas, não houve, até ao momento, um político
que, de forma frontal tenha dito: ISTO NÃO PODE SER!
Os partidos do bloco central é o
que se sabe…protegem-se carinhosamente uns aos outros, até porque
- os principais chefes - frequentam os mesmos clubes secretos, onde
cozinham as negociatas e esquemas de alternância de lugares nas
administrações dos bancos e empresas: “é
o agora vais tu, depois vou eu…e a seguir vais tu mais eu”.
José Afonso, se fosse vivo, diria
que a política não existe para a prossecução de interesses
particulares, diria, pelo contrário, que é uma arte nobre que deve
prosseguir o interesse geral.
José Afonso, já em 15/06/1985,
na entrevista dada ao Expresso referia que:
“…há uma data de gente
que vive melhor do que antes do 25 de Abril, mas à custa de
clientelismos partidários e favores políticos que não afirmam
propriamente os trunfos dum regime. (…)
Trinta anos passados, infelizmente, o panorama
agravou-se, aumentou o carreirismo, com escolas de formação
gratuitas nas juventudes partidárias, cuja condição para subir na
hierarquia do partido é dizer “Yes” ao chefe superior, seja ele
um dirigente de uma concelhia ou de uma distrital…
Os partidos do arco da governação estão-se
“marimbando” para os reais problemas dos cidadãos. A sua
primacial função é dar emprego aos “boys e girls” que exibam
os respectivos cartões, sejam eles laranjas, rosas ou azuis…pouco
importa.
José Afonso, em Junho de 1985, já
se queixava do mesmo…bastará lermos este excerto:
“Sabemos hoje que os programas de partidos, as promessas
eleitorais, a igualdade dos cidadãos perante a lei, o
parlamentarismo, … são armadilhas de uma imensa minoria que vive
luxuosamente à custa de uma imensa maioria. Por outro lado, embora
haja partidos que se aproximam mais dos interesses dos trabalhadores
e outros que são contra esses interesses, a verdade é que a escolha
entre os partidos A, B ou C acaba por não oferecer uma alternativa
de fundo aos privilégios de Estado uma vez que todos eles se
movem segundo a mesma lógica que cria um fosso entre o cidadão
comum e os senhores do Poder…”
O Zeca deixou-nos, na sua curta existência de 58 anos,
a ideia de que “há sempre outro amigo também”. Poderia ser uma
pessoa, uma simples ideia, podia ser um
combate, mas sempre pela liberdade, sempre pela justiça social!
Que venham mais cinco, mais cem, mais mil ou um milhão…!
Nós somos os teus cantores!
Post Scriptum: um agradecimento especial para
uma pessoa que me incentivou a escrever estas linhas.
Luís
Ramos Pena
3 comentários:
O JOSÉ AFONSO NUNCA FOI TÃO ACTUAL COMO HOJE, FACE AO PANORAMA POLITICO-PARTIDÁRIO EXISTENTE.
Filho do sistema de Salazar. Acabou o tacho do pai e mudou de pensamento. Há mais.
José Afonso a força das palavras de um homem comprometido.
Sejamos a formiga que ruma em sentido contrário.
Intemporal!
Enviar um comentário