domingo, 2 de maio de 2021

Um tema que deveria fazer pensar os figueirenses...

ODEMIRA DO NOSSO DESCONTENTAMENTO. 

Em Odemira, os empresários agrícolas queixam-se que os portugueses fazem demasiadas exigências e não querem trabalhar. A opção foi empregar tailandeses, que não se importam de viver em contentores. Isso, infelizmente, não acontece só em Odemira...

Da exploração laboral à cobertura mediática, passando pelo levantamento popular no ZMar. Tudo – bem – explicado pelo Diogo Martins, no Ladrões de Bicicletas.


"Há uma certa opinião que gosta de fazer troça da esquerda em relação a alguns dos seus referenciais de análise social.

Em particular, acha sempre que é preconceito ideológico quando a esquerda diz que, no contexto de uma sociedade capitalista, as assimetrias de poder na esfera da produção se tendem a estender muito para lá desse domínio, estando presente em várias instituições que enquadram e sustentam por essas mesmas relações de produção. Isto é, por outras palavras, que o capital reproduz o poder que tem na esfera da produção de valor para outros domínios da sociedade, como a geração de conhecimento, a justiça ou a comunicação social.

Os que duvidam talvez queiram tomar como exemplo de análise o que está acontecer com a cobertura noticiosa da cerca sanitária nas freguesias do concelho de Odemira.

Há vários anos que é sabido que milhares de trabalhadores migrantes do sudeste asiático são "importados" por agrários da nova agricultura intensiva que cobre de estufas o Sudoeste alentejano sem que isso provocasse qualquer escândalo.

Quantos minutos de telejornal foram despendidos a denunciar as situações de abuso laboral nessas explorações e as condições de trabalho e habitação abaixo dos níveis da dignidade? Quantas vezes a Ordem dos Advogados, que vem agora a público vociferar contra a requisição de alojamentos privados para acolher os trabalhadores em isolamento, levantou a voz para denunciar as óbvias violação da lei no âmbito da saúde e segurança no trabalho? Quantas reportagens houve a dar eco à população local, que há muito denuncia que o aumento da população não tem tradução no aumento das infraestruturas e serviços públicos? Quantas vezes se tentou chegar à fala com os migrantes que trabalhavam nessas explorações? Quantas vezes se pôs em causa o modelo ambiental e laboral em que esta agricultura assenta? A resposta é poucas. Poucas ou nenhumas.

Agora comparem com o circo mediático instalado em torno de uma minoria de proprietários privados que acham um atentado que a sua propriedade possa ser mobilizada por um curto espaço de tempo para fazer face a uma emergência de saúde pública e de direitos humanos. Quanto minutos de telejornal já foram gastos a ouvir os advogados dos proprietários? Quantos minutos de reportagem ouvimos de pessoas a lamentar o impacto que isto terá na produção dessas explorações? Muitos, demasiados.

Esta linha editorial não é um acaso. Um país ignorou que dezenas de milhares de trabalhadores viviam em condições sub-humanas num país cujo partido no poder se orgulha de apresentar como de esquerda, porque elas não têm poder. São trabalhadores agrícolas, migrantes, que mal falam português. São o último elo na cadeia da exploração. Aqueles que os proprietários rurais vão buscar quando já não encontram quem cá se submeta ás condições que oferecem.

Pelo contrário, os poucos proprietários de imóveis e donos das propriedades agrícolas fazem parte de uma minoria, com recursos económicos, que se senta à mesa do poder, que conhecem sempre alguém que tem o contacto "daquele jornalista".

Não é acaso. É poder. E é também a vergonhosa prova de que as autoridades e o governo deste país estão dispostos a fechar os olhos a violações de direitos humanos para salvaguardar o interesse privado até que elas ponham em causa a saúde pública dos seus ou os direitos de propriedade." 

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