terça-feira, 5 de maio de 2020

O problema da Leirosa

Aquilo que se passou sábado passado na Leirosa e  todo o País viu em directo na CMTV e na TVI24, foi ontem debatido politicamente na sesssão de câmara.
Citando o Diário as Beiras.
"O presidente da autarquia, Carlos Monteiro, justificou a sua deslocação àquela localidade, para falar com os manifestantes: “Entre cumprir o isolamento e ouvir a população, achei que era mais importante ir lá”. O autarca revelou que contactou com a GNR no sentido de manter “vigilância activa” e que pediu reunião com responsáveis daquela força de segurança para saber que queixas foram apresentadas e se têm nomes das pessoas [suspeitas]. Isto “porque na manifestação apontavam a uma família”, esclareceu. Contudo, ressalvou: “Não é possível retirar pessoas de um bairro social só porque alguns dizem que não gostam delas, tem de haver provas”. “Não vamos deixar que aquele bairro social se transforme num barril de pólvora. E vamos acompanhar o bairro social de Brenha, [onde] as pessoas também estão a ficar saturadas de comportamentos menos próprios e atitudes mesmo cívicas”, garantiu Carlos Monteiro.
Para o vereador da oposição Miguel Babo, o que se passa na Praia da Leirosa são “problemas de ordem pública que não têm sido resolvidos pelas forças de segurança”. Carlos Tenreiro deu “nota 10” à intervenção do seu colega de vereação, igualmente eleito pelo PSD.
“Já no ano passado dei conta, na reunião de câmara, de problemas de segurança em Brenha, Maiorca e Leirosa”, atirou, por seu lado, Ricardo Silva, do PSD, que acusou a maioria socialista de estar confinada nos gabinetes. “Só o seu populismo pode dizer que o executivo está confinado no gabinete e quando saímos somos humilhados. Fica-lhe bem…”, reagiu Carlos Monteiro."
Remeter a solução do problema para a GNR, é intelectualmente desonesto. O problema da habitação social no nosso concelho, para além da Leirosa, tem outros pontos quentes. Termos de recuar duas dezenas de anos e ver o que se passou: assistiu-se à construção massiva de bairros sociais, uma solução que não é utilizada na Europa desde os anos 70. Isso, potenciou os casos de criminalidade violenta, como é do domínio público e não pode ser ignorado pelos políticos. 

A concentração de população socialmente homogénea, mesmo quando é culturalmente heterogénea, traz problemas de socialização negativa, sobretudo entre os mais novos, gerando abandono escolar precoce e predominância de comportamentos menos disciplinados, entre outras atitudes. São comportamentos que acabam por ter um efeito colectivo visível. Situações como a que sucedeu na Leirosa acabam por ter um efeito perverso que é marcar negativamente o bairro, quer para quem lá habita, quer para a imagem pública da Leirosa. E há muitas famílias que habitam naquele bairro social que têm um comportamento ordeiro no seu dia-a-dia.
"Os estudos dizem que as pessoas têm um grande prazer pela casa, mas um grande desgosto pelo bairro. A passagem de barracas a alojamento em altura em bairros sociais permite melhores condições de habitação, mas muito piores condições de sociabilidade, vizinhança e integração".

Passados todos estes anos existe alguma equipa multidisciplinar na Câmara Municipal da Figueira da Foz,  para intervir rapidamente no terreno, de forma a conter o aumento deste tipo de criminalidade?
Esta criminalidade cada vez mais violenta não se resolve apenas com a polícia de proximidade, mas passa por as câmaras terem primeiro a coragem e a ousadia de disponibilizarem verbas para contratarem equipas multidisciplinares, suficientemente apetrechadas e capazes de trabalhar em bairros problemáticos. Isto é: os técnicos do gabiente social da Câmara há muito que deveriam estar no terreno.
Estas equipas deveriam ser constituídas por "especialistas em comportamentos que sejam capazes de trabalhar ao nível da inclusão e exclusão social, psicólogos clínicos e outro pessoal especializado", e não apenas por "meros assistentes sociais".

A "criminalidade  cada vez mais violenta" assenta num denominador comum: "a falta de estruturação das cidades".
"Em Portugal temo-nos esquecido, regra geral, de resolver os problemas dos realojamentos antes de os fazermos. Imaginamos que as pessoas querem todas ir para bairros de pedra e cal, com mais cimento e betão armado, e esquecemo-nos que muitas dessas pessoas são integradas em espaços urbanos sem serem incluídas. Há uma integração forçosa, exógena e não há uma inclusão".
Este modelo de "reprogramação das pessoas" utilizado pelas autarquias, que "não atende à verificação de quem se vai incluir", poderá contribuir eventualmente acarretar problemas  entre as comunidades que se vão incluir, contribuindo para o desencadear de problemas de violência.
No início deste século, Santana Lopes fez o habitual: começou a criar anéis populacionais problemáticos à volta da cidade da Figueira (S. Pedro, Brenha, Vila Verde e Leirosa), como estava a acontecer na grande Lisboa. Até ao momento, depois de Santana, e já passaram 20 anos, nenhum executivo foi capaz foi capaz de criar uma estrutura capaz de prevenir e trabalhar estas situações.
Fotos Pedro Agostinho Cruz. Para ver melhor clicar na imagem.

Virem, agora, como fizeram os políticos figueirenses, exigir que seja a  GNR a resolver o problema da Leirosa, é colocaram-se ao nível de um populista como o André Ventura. Chega.

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