António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
PEDRO AGOSTINHO CRUZ...
PEDRO AGOSTINHO CRUZ, já não é um menino. Os anos, entretanto, passaram e tornou-se num assumido fotojornalista, que cresceu e aperfeiçoou o seu profissionalismo e o sentido de cidadania: quem o conhece a nível profissional, sabe que trabalhou sempre com grande ética, rigor e dedicação. Daí, que a qualidade daquilo que faz - a arte de trabalhar para o “boneco” - seja a que muitos já conhecem.
Ao contrário do que muitos chegaram a pensar, eu não sou o pai espiritual do Pedro Agostinho Cruz. Sou, apenas, "o tio Tó", como ele sempre me tratou desde tenra idade.
Como é óbvio, sempre estive atento ao Pedro.
Todavia, ele foi sempre pouco expansivo e muito cioso do seu mundo. Raramente fala, em profundidade, dos seus projectos de vida. Eu, sempre fiz o que tinha que fazer: respeitar o espaço dele. Quando ele precisa, sabe que tem aqui o "tio Tó" disponível.
Mas, claro, tenho estado atento.
Por isso, tenho observado, com apreço, a sua capacidade e disciplina no trabalho.
Tem trabalhado - e muito - não para as necessidades que a sociedade de consumo nos cria. Aqueles óculos fantásticos; aquele relógio magnífico, que dá horas certas como outro qualquer; aquela T-Shirt, capaz de nos fazer sentir especiais; o carrinho dos nossos sonhos, que nos leva rapidamente à confusão do trânsito; aquela casa, que será nossa ao fim de 40 anos, e que nessa altura não valerá um chavo, apesar de termos pago por ela, em suaves prestações, mais do dobro do seu preço; aquele telemóvel, descartável dentro de 6 meses...
Tenho observado, com distância, a sua necesssidade de viver a carreira profissional com valores e sentimentos...
Por vezes interrogo-me: o que leva um jovem, ainda em início de carreira, num meio tão difícil, selvagem e hostil, a tentar seguir o seu percurso profissional por este caminho?
Que valor têm esses valores na actual sociedade avançada em que todos andamos a tentar conseguir sobreviver?
Tenho mais interrogações do que respostas. Talvez, um dia, se ele estiver aberto a tal, tenhamos uma conversa sobre o tema.
Portanto, para tentar concluir algo vali-me da experiência de vida e pensei (às vezes penso, sabiam?..): a dignidade de um homem está no seu âmago. Pode-se tentar humilhar, ofender, maltratar, ignorar uma pessoa, mas nunca se lhe retira a dignidade, já que ela lhe é intrínseca.
Entretanto, como a prosa já vai estendida, e nesta parte parte final me deu para falar de minudências sem interesse, termino-a por aqui.
Não podemos esquecer que, quase 43 anos depois de Abril de 1974, aqui na Figueira, circulamos em piso escorregadio. E pouca gente se arrisca a andar à vontade num piso assim...
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