"Nenhum sítio parece mais indicado para merecer uma autêntica requalificação, que preserve a história e deixe às gerações futuras um apreciável espólio e uma herança soberba, quanto o nosso Cabo Mondego. Esclareço que quando me refiro ao Cabo incluo toda a sua envolvente. Vivemos dias escuros e admito que embora já tardia, uma intervenção de fundo no local pode não ser a prioridade, numa lógica de estratégia política e económica que terá de ser cirurgicamente observada no futuro próximo. Com este reparo não digo que se deixe para as calendas o que já devia ter sido feito no Cabo, orgulho do concelho e um dos seus mais estimados ex-libris. Começando: depois da massiva exploração industrial de inertes nas encostas da Serra da Boa Viagem, deverá ser tentada a reposição do coberto vegetal, obrigação devidamente suportada pela lei enquadradora. Não será tarefa fácil, mas tal não pode assumir-se como desculpa para nada se fazer em prol da recuperação do aspecto mais próximo possível da paisagem original. Entretanto: este é o sítio por excelência para um grande polo museológico e centro interpretativo da sua história, começando há muitos milhões de anos quando o Jurássico Superior aqui deixou marcas indeléveis da evolução do planeta que nos foi dado habitar. Muitos dos contramoldes das pegadas dos grandes sauros foram retirados e levados para o Museu de História Natural, havendo algumas ainda visíveis. Mas nada impede que regressem onde sempre pertenceram. Antes referi a implantação do Museu do Mar também aqui e como seria bem-vindo. Falta falar de outro importante aspecto do Cabo: a actividade mineira aqui mantida desde o século XVIII até 1967, quando cessou a actividade. A extracção do carvão está inscrita na história da população, nomeadamente dos Vais, estórias de luta árdua por difícil sobrevivência, sacrifícios terríveis, muitos lutos a assombrar famílias. Isto não pode continuar “encoberto”. Exigem-no o respeito pelo local e a manifestação de apreço por todos os que ali laboraram. Guarde-se, pois, a memória única deste sítio único."
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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