segunda-feira, 6 de novembro de 2023

ISRAEL DESMASCAROU O OCIDENTE

"Somos todos Israel!
O Ocidente, entendido como a civilização europeia com a sua matriz filosófica na Grécia e a sua interpretação do mundo a partir do Novo Testamento da Bíblia, do cristianismo, viveu sempre numa contradição entre os valores que racionalmente erigiu como os seus e que apregoava — uma ética — e a sua prática, subordinada aos interesses.
O Ocidente, os seus pensadores e os seus povos, tiveram sempre a noção do pecado enquanto violação dos mandamentos. Os grandes pensadores do Ocidente promoveram o conhecimento do homem enquanto ser racional, mas também enquanto ser ético, que a racionalidade deve ser o alimento da “boa vontade”. A eleição da boa vontade, do bem fazer, como fundamento para os homens serem julgados marcou a rutura entre o cristianismo e o judaísmo.
O cristianismo é uma religião (e uma filosofia) de redenção. A redenção cristã é um resgate de uma situação de “fora da lei” (pecado original) que se salva se cumprir os valores pregados por Cristo. A redenção não faz parte da filosofia do judaísmo. No judaísmo não existe a ideia de que que o relacionamento entre Deus e os seus fiéis precise ser restaurado. Por isso mataram o Cristo que se apresentou na Palestina a afirmar que vinha à Terra restaurar a ligação entre os homens e Deus, propondo a Paz. A fronteira entre o Antigo e o Novo Testamento é a fronteira entre a Guerra e a Paz. O deus dos judeus é o deus dos direitos dos seus fiéis — o Povo Eleito e a Terra Prometida. Os seus fiéis têm direito a tudo e podem fazer tudo para o conseguir. O deus do cristianismo é o deus dos deveres. O conflito que existe há mais de mil anos entre judeus e cristãos assenta no antagonismo entre direitos e deveres.
A filosofia do ocidente pós-socrático funda-se no dever e na ética. Kant é considerado o filósofo do Dever na civilização ocidental. E os ocidentais aceitaram (embora não o tenham praticado) que todo o homem, quando diante de uma situação que exija escolha, faz (ou deve fazer) a pergunta: o que devo fazer para bem conduzir a minha ação? Está subjacente à pergunta a busca por uma regra de conduta capaz de fornecer meios ao arbítrio para que a escolha seja da melhor ação a praticar. Isso demonstra que o homem ocidental se orienta pela noção do dever e a resposta tem que provir dela. A noção de boa vontade, fundada no princípio do dever, é aquela que se apresenta como regra de conduta na sociedade ocidental.
As nossas ações individuais ou coletivas podem ser consideradas sob um duplo ponto de vista: ou de uma vontade conforme à razoabilidade, ou de um ponto de vista de imposição de uma vontade até onde as inclinações e os meios disponíveis permitirem, sem limites.
A ação de Israel desde a sua fundação a meados do século vinte tem sido um contínuo atentado aos princípios do cristianismo da civilização ocidental. O Ocidente do pós-segunda Guerra aceitou a corrupção dos seus princípios e ganhos civilizacionais por razões conhecidas: sentimento de culpa pela Inquisição e pelo Holocausto, por interesses estratégicos, financeiros, económicos. O Ocidente tinha duas opções para se relacionar com Israel, ou escolhia o ponto de vista moral do cristianismo — dos deveres — e impunha as suas regras; ou agia motivado pelo princípio do interesse de que a melhor ação é a que sacia o desejo, o principio da prevalência dos direitos.
Não deixa de ser chocante ouvir políticos ocidentais referir o Direito Internacional, ou o Direito Comum a propósito do longo conflito entre o Estado Israel e os palestinianos para negar os direitos dos palestinianos e defender os interesses dos israelitas em nome do direito!
A política de Israel na Palestina é muito fácil de decifrar: uma limpeza étnica de um território para ali constituir um Estado totalitário, no sentido em que apenas serão cidadãos com direitos os que tenham o mesmo Deus, que cumpram os mesmos rituais, que se submetam aos mesmos rabis, que considerem os mesmos inimigos, que estejam dispostos a cometer os mesmos crimes em nome do interesse do mesmo Estado do Povo Eleito.
O apoio do Ocidente a esta política, com a hipócrita proposta dos dois estados — uma monstruosa falácia — que foi acompanhada com o discurso do “direito de defesa de Israel”, um estado ocupante a defender-se do ocupado! — deu ânimo a Israel para uma longa série de massacres e de crimes, de que o ataque a Gaza é o mais recente e o mais desumano episódio.
Mas, a desumanidade da ação de Israel na Palestina conduz a uma conclusão que cada um de nós, os do ocidente, como nos qualificou Camões, responderá de acordo com as suas convicções. O evidente é que o Estado de Israel, criado pelo Ocidente, impôs aos cristãos o Velho Testamento , impôs a sua religião de direito à violência. O Antigo Testamento contém mais de seis mil passagens que falam explicitamente sobre nações, reis ou indivíduos que atacam, destroem e matam. Deuteronômio “Quando vocês avançarem para atacar uma cidade, enviem-lhe primeiro uma proposta de paz. Se os seus habitantes aceitarem e abrirem as suas portas, serão seus escravos e se sujeitarão a trabalhos forçados. Mas se eles recusarem a paz e entrarem em guerra contra vocês, sitiem a cidade. Quando o Senhor, o seu Deus, a entregar em vossas mãos, matem ao fio da espada todos os homens que nela houver. Mas as mulheres, as crianças, os rebanhos e tudo o que acharem na cidade, será de vocês; vocês poderão ficar com os despojos dos seus inimigos dados pelo Senhor, o seu Deus.”
Já seria uma derrota civilizacional o Ocidente aceitar esta barbárie, que podia ser a descrição do que está a acontecer em Gaza, mas ela está associada à derrota do Estado Liberal que foi erigido na Europa à custa de tantos sacrifícios e sangue, da civilização associada aos direitos cívicos e políticos, à separação da religião do Estado, à revolução francesa, às modernas repúblicas.
O apoio “incondicional” a Israel é o apoio a um estado totalitário que tem os mesmos fundamentos dos estados islâmicos. Os políticos ocidentais, os intelectuais do sistema, os seus propagandistas estão a promover uma ordem e um tipo de sociedade de violência, de negação da liberdade, de sujeição clerical, uma sociedade “talibânica”, que não se distingue da sociedade talmúdica ou corânica. Apoiar Israel é uma regressão política e civilizacional. Avanço seria integrar Israel no grupo dos estados laicos e igualitários, promover o fim do duplo apartheid, religioso e étnico. Racista, em suma.
Das três religiões do “Livro” apenas o cristianismo separou a religião do Estado, essa separação foi o interruptor que permitiu ao Ocidente tornar-se simultaneamente a sociedade tecnologicamente mais avançada do planeta, socialmente mas igualitária e politicamente mais diversificada. É desta civilização que estamos abdicar.
É esta assunção de derrota civilizacional que está em causa com o apoio a Israel, que a seguir a Gaza irá atacar a Cisjordânia, até reinventar e impor um fantasioso grande Israel! É assim que vocês tratarão todas as cidades distantes que não pertencem às nações vizinhas de vocês…"

(imagem da tomada de Jericó)

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