Teresa Violante, Investigadora da Universidade Friedrich-Alexander de Erlangen-Nürnberg.
Via Expresso
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«Para certo pensamento português, sobretudo político e económico, muitos dos males endémicos do regime são de algum modo reconduzíveis ao que sucedeu em Portugal naqueles cerca de oito meses que mediaram entre o golpe falhado de 11 de março e 25 de novembro de 1975. Foi durante este período que decorreu o processo de nacionalização de empresas e sectores, e a ocupação e expropriação de terras. Na representação dicotómica do mundo que então prevalecia Portugal era assimilado na imprensa ocidental a uma rampa deslizante a caminho do sovietismo.
A capa da Time de 11 de agosto de 1975, sob o título “red threat in Portugal”, com a troika integrada por Francisco da Costa Gomes, Vasco Gonçalves e Otelo Saraiva de Carvalho, é hoje uma digna peça de coleção mas, à data, mostrava bem como ideologias igualitárias e movimentos de defesa dos trabalhadores entravam diretamente no radar Mcarthista da imprensa mainstream norte-americana. Não quero branquear os excessos do PREC, mas algum contexto pode colocar essa “ameaça vermelha” sob uma outra perspetiva.
Foquemo-nos nas nacionalizações que são paradigmaticamente vistas como a destruição do capitalismo português e que tiveram como alvo sectores-chave da economia como a banca e os seguros. Que capitalismo era esse? O Estado Novo não era uma economia de mercado, nem gerou uma burguesia vibrante, próspera e competitiva. Aos olhos de hoje, podemos falar desse capitalismo, ou pelo menos de uma sua parte substancial, como “crony capitalism”, “capitalismo de compadrio”, baseado em teias familiares e interesses de grupo, que se construiu não por via da liberdade de iniciativa e da exposição à concorrência, mas à sombra de proteções políticas, como o condicionamento industrial, e de redes familiares.
Como escreveu Fernando Rosas, em abril de 1974 a economia portuguesa era dominada por quarenta e quatro famílias que, na sua maioria, controlavam os sete grandes grupos financeiros. Estes grupos, por sua vez, controlavam quase na totalidade quatro dos mais importantes sectores industriais, essencialmente os sectores industriais básicos, o sector bancário e segurador e a maioria dos transportes marítimos.
Esse capitalismo era não apenas de “amiguismo”, mas também oligárquico: a detenção do poder económico condicionava o acesso ao poder político, que era exercido em benefício das classes dominantes. Nem precisamos de o analisar com a grelha normativa atual, podemos recorrer à leitura dominante na época entre as tendências pró-democracia. A insuspeita SEDES, em 1973, pela pena de Emílio Rui Vilar e António Sousa Gomes, denunciava a estrutura oligárquica do regime: a “clara predominância dos interesses privados, mesmo nos interesses estratégicos, conduz à exploração da maioria da população por uma classe minoritária que detém o poder político económico” (“Sedes: dossier 70/72”, Moraes Editora, 1973).
O primeiro programa político do PPD previa as nacionalizações e o planeamento público da economia como meios para garantir a subordinação do poder económico ao poder democrático, parâmetro que, pela mão daquele partido, veio a ser expressamente consagrado no texto constitucional em 1982. Também o programa do PS incluía um plano económico e de nacionalizações para alcançar a transformação estrutural das relações sociais, e o propósito firme de “arrancar o poder à oligarquia”.
A destruição do “capitalismo do Estado Novo” correspondeu, portanto, a imperativos democráticos de distribuição do poder, não só económico, mas também político, porque não se lhe reconhecia uma origem justa nem meritória. Que hoje muitos tentem empurrar a paternidade das nacionalizações para os excessos revolucionários, olvidando que as mesmas correspondiam a um amplo consenso social e político é uma leitura simplista e conveniente, mas parcial.»
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