António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
domingo, 23 de agosto de 2020
Pinheiros cortados na Tocha dão lugar a “falos”
«Depois do corte de pinheiros seculares e saudáveis junto ao parque de merendas das Berlengas, na Tocha, mas não de eucaliptos ou acácias podres, o povo, seja ou não local, encontrou uma forma original de protesto: “plantou”, no lugar das árvores, peças em forma fálica feitas de madeira e cartolina.
Desde que o português é língua e símbolo da Nação que o povo, e o do Norte que o diga, recorre ao obsceno para tornar bem claro o que pensa. Umas vezes com rudeza, outras com espírito e sentido de oportunidade, algumas com criatividade e ironia singulares. Embora sendo algo nosso, natural, não escusa o pedido aos leitores para que dêem o devido desconto, porque descrever o cenário que desde ontem se tornou atracção no lado direito da estrada que liga a Tocha à Praia da Tocha pode levar a segundas interpretações.
As peças são grandes, imponentes, vêem-se ao longe, tanto assim é que há automobilistas a parar e a tirar fotografias para divulgação nas redes sociais. Estão erectas, fixadas nas raízes de árvores cortadas. Sem dúvida, são resultado de trabalhos manuais: a cartolina vermelha foi primeiro cortada para representar um pénis, depois “enroscada” numa espécie de espeto em madeira que fixa a peça à raíz das árvores cortadas. Não é uma coisa tosca, as roscas utilizadas nas fixações mostram que houve trabalho cuidado e que quem o fez percebe do assunto. Para os lados da Tocha, à indignação pelo corte das árvores acresce agora uma nova preocupação: é que aquilo que ali está, diz-se à boca pequena, é seguramente “uma espécie invasora”.
Ironias à parte, o cenário é o resultado da “revolta popular” pelo que foi feito, diz Fernando Pais Alves, com o presidente da Junta de Freguesia da Tocha a partilhar informações que tem recebido de forma não oficial. Ao que parece, o corte de árvores saudáveis de grande valor económico tem ocorrido em várias partes do país.
«É grave», acusa o autarca que, sobre o caso específico do parque das Berlengas, até compreenderia o corte de alguns pinheiros que eventualmente pudessem vir a ameaçar a pista pedonal e de cicloturismo. Refira-se que a Junta de Freguesia pedira ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) que cortasse pinheiros queimados «em risco de cair para a pista».
Em vez disso, o ICNF cortou o que era bom, pinheiros que «valem uma pequena fortuna», e deixou «os queimados, os eucaliptos e as acácias», critica Fernando Pais Alves, ao notar que a floresta também é riqueza».
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