Crónica do eng. Daniel dos Santos, publicada na edição de hoje do jornal AS BEIRAS.
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Foi pelo Mondego acima, num curso de água agora assoreado, que se processou muito do comércio dos princípios da nacionalidade. Coimbra, Soure, Verride, Montemor-o-Velho e Santa Eulália eram então portos flúvio-marítimos forjados pela sua influência.
O assoreamento progressivo do rio, que data do século XI, mas que se acentuou, sobretudo, a partir do século seguinte, foi eliminando a navegabilidade do Mondego, empurrando para a foz todo um somatório de actividades que levaram um modesto povoado do século XII a desenvolver-se.
A nossa história, a história da Figueira e das suas gentes, é muita da história da transformação do Mondego, que passou pelo histórico e pela influência do acerto e do desatino que o homem fez nas intervenções da nascente até à foz ao longo dos séculos.
Mais tarde, a dominação filipina , vexatória e opressiva, viria a criar ao nosso País dificuldades acrescidas.
A navegação foi das actividades industriais mais atingidas pelo desaforo do dominador.
A independência em 1640, ditaria uma mudança radical: os figueirenses meteram mãos à obra e desenvolveram a construção naval. Construíram caravelas, naus e outros tipos de embarcações. O desenvolvimento da construção naval permitiu o desenvolvimento local e a melhoria de vida para os figueirenses. Na altura, chegou mesmo a ser criada uma marinha mercante própria do porto, fortalecida com caravelas de armadores de Buarcos e Redondos, povoações à época mais ricas que o povoado da Figueira.
Ao movimento de navios e de mercadorias durante as décadas seguintes viria a corresponder uma expansão da Figueira povoado, que a elevaria ao nível das importantes povoações do nosso País.
À tutela do jugo filipino responderam alguns dos nossos antepassados, com um esforço colectivo, que só não foi inteiramente libertador, por, ao mesmo tempo, terem promovido e desenvolvido a dominação e a exploração dos outros.
Mas, a Figueira teve sempre um problema: o assoreamento da barra.
E de projecto em projecto, de obra em obra, de erro sobre erro, chegámos ao prolongamento do molhe norte em 400 metros.
Registe-se, a propósito do recente sinistro do Olívia Ribau, que o presidente da Câmara da Figueira, além de sublinhar "que falharam as medidas de prevenção" e "a estação salva-vidas fechar às 18 horas e uma embarcação de socorro estar avariada", lembrou que há mais de três anos que a autarquia vem fazendo "insistentemente" apelos para a dragagem da barra, a última vez em abril de 2014, dando nota das dificuldades das embarcações dos pescadores para entrarem no porto, após as obras de prolongamento do molhe norte em 2010.
Como sabemos, é mais do mesmo: a única solução que os responsáveis encontram para manter a cota da nossa barra, passa pelas constantes dragagens. Isso, como diz há muito tempo o covagalense Manuel Luís Pata, "é cómodo para quem é responsável e a extracção das areias tem constituído «uma mina de ouro». Se não fosse esta »mina», estariam hoje construídos aqueles palácios («aqueles monstros») junto ao rio?"
O aumento do molhe em 400 metros, como a realidade já provou e como quem tinha o saber da experiência feita previu e preveniu em devido tempo, nunca evitará que as areias se depositem na enseada e fechem a barra. Além do mais, uma barra nunca se estrangula.
Quem promoveu e apoiou tão aberrante obra - como foi o caso, ainda na segunda-feira, do vereador Miguel Almeida - não tem o mínimo conhecimento do que é o mar.
Por outro lado, mesmo que essa obra trouxesse algum benefício à barra da Figueira - e não trouxe, trouxe dor e luto (vários acidentes e 14 vítimas mortais em menos de meia dúzia de anos aí estão infelizmente para o provar) - isso seria sempre um acto egoísta e irresponsável de quem tem mandado na Figueira, dado o conhecido estado crítico da orla costeira a sul da barra da nossa barra.
Passados estes dias de brasa, os figueirenses vão continuar a viver como sempre viveram: em passividade.
Se não for olhado com urgência o problema da barra da Figueira da Foz, a Figueira poderá sofrer, mesmo a nível do negócio, uma crise com prejuízos irreparáveis.
Por exemplo: acham que foi com prazer que as duas fábricas de Celuloses instaladas no nosso concelho - e os principais utilizadores do nosso porto - construíram um ramal de caminho-de-ferro, pouco utilizado aliás nas exportações via porto da Figueira?
Não teria sido, em grande parte, pela falta de confiança da barra local?..
Em que se basearam os técnicos para o prolongamento, curvando para sul, do molhe norte?
Quiseram criar um segundo porto de Leixões?
Só que o molhe daquele porto do norte do nosso país, está implantado num sítio fundo, por isso o mar não rebenta, ao passo que na enseada de Buarcos, devido ao constante assoreamento das areias que vêm do norte, o mar rebenta e fecha a barra -como aconteceu naquela fatídica terça-feira...
Eu sei, porque falo todos os dias com pescadores que arriscam a vida na barra da Figueira, que esta barra vai dar mais problemas.
Oxalá esteja completamente enganado.
Mas, quando me dizem - e estou a falar de homens experimentados e corajosos, não estou a falar de "copinhos de leite" - que os sustos são de tal ordem que, por vezes, "até nos borramos pelas pernas abaixo", temos de continuar preocupados.
Pelo menos que haja o mínimo: meios de socorro e de salvamento, em prontidão, que permitam que se faça o possível quando a desgraça acontece.
O que foi que não aconteceu no mais recente sinistro que ocorreu na entrada da barra da Figueira da Foz.
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