sexta-feira, 27 de julho de 2012

VAMOS SALVAR A ARTE DOS PESCADORES PORTUGUESES DA BEIRA LITORAL

fotos de Pedro Agostinho Cruz
Organizada pelos pescadores locais e pela Câmara Municipal de Mira, realizou-se  em 23.07.2012, na Praia de Mira, no auditório do Centro Cultural e Recreativo,  uma reunião de discussão aberta ao público decisiva para a sobrevivência e para o futuro de um tipo especial de Pesca portuguesa que tem séculos de história e que constitui um dos exemplos mais emblemáticos e culturalmente mais significativos — e, por isso, desde sempre, um dos exemplos mais invocados e mais utilizados como cartaz turístico e como paradigma de Cultura Popular — da Etnografia, da História e da Identidade Nacional de Portugal.
Um tipo de pesca, um tipo de património cultural marítimo, e um tipo de comunidade de pescadores que, paradoxalmente, ao mesmo tempo que em Portugal têm sido sempre infindavelmente exibidos como emblemáticos, turísticos e paradigmáticos, tem também sido sempre, ou quase sempre, desprezados e esquecidos (quando não perseguidos e asfixiados); e que por isso têm vindo a extinguir-se, e têm desaparecido "como neve diante do sol".

A Arte de Pesca de Arrasto para Terra, modernamente designada legalmente pelas instituições administrativas e fiscais do Estado português com o nome oficial de "Arte-Xávega" (nomeadamente segundo a Portaria 488/96 publicada no D.R., 1ª Ser., nr. 213, de 13.09.1996) —praticada com utilização das incomparáveis e belas embarcações artesanais portuguesas de madeira chamadas “Barcos do Mar”, ou “Barcos da Arte” (a embarcação mais popularmente conhecida com o nome de “Meia-Lua”, e que consideramos “o mais belo barco do mundo”) —, é um tipo de pesca artesanal e uma realidade humana, sociológica, tecnológica e civilizacional absolutamente única e fascinante, que não tem equivalente em qualquer outra parte da Europa e do Mundo, e que seria um enorme crime (um crime sem perdão) se alguma vez viesse a ser deixada morrer.
É um tipo de pesca muito específico, muito especializado e bastante diferente (pois, na sua aparente simplicidade, é muito mais heróico e muito mais difícil e perigoso do que julgam os que nada sabem de mar), e que por isso não pode ser comparado com qualquer outro tipo de pesca praticada em qualquer outro litoral oceânico do mundo inteiro. É mesmo muito diferente, e muito mais impressionante, em coragem e em esforço,  do que os próprios modelos originais mediterrânicos da “Xávega”, islâmica, andaluza e algarvia, que lhe estiveram na origem há muitos séculos atrás, mas que entretanto já se extinguiram (ao longo do século XX), e que já não existem hoje em dia (no século XXI).

A Arte de Pesca de Arrasto para Terra, característica dos litorais portugueses da Ria de Aveiro e da Beira Litoral (hoje, legalmente, dita “Arte-Xávega”), é uma arte que nos nossos dias ainda continua a ser praticada por muitas centenas de homens e mulheres, desde as praias de Espinho até à Praia da Vieira de Leiria, e actualmente com o coração na Praia de Mira (depois de, outrora, ter irradiado sobretudo a partir das praias do Furadouro, Torreira e Ílhavo), e é uma das realidades mais impressionantes, mais autênticas e mais simbólicas — e, por isso, mais importantes — daquilo que continua a ser, ainda hoje, Portugal: um país dividido entre o Passado e o Futuro, um país sempre adiado, e sempre sem conseguir descobrir o seu caminho, entre a tradição que não consegue manter e a modernidade que não consegue construir. Um país sempre mergulhado no seu subdesenvolvimento secular e na sua insustentabilidade económica. Mas que, nem por isso, pode ou deve sacrificar os mais autênticos e verdadeiros exemplos da sua identidade nacional e da sua cultura secular em nome de quaisquer cegas burocracias estatais normalizadoras, ou de quaisquer imbecis aculturações televisivas, ou de quaisquer bizantinismos “culturais” “modernizadores”, ignorantes das verdadeiras tradições e identidades locais.

Centro de Estudos do Mar - CEMAR

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