segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Coletes amarelos

Esta foto de Pedro Agostinho Cruz, mostrou "Carlos Marques, o colete amarelo solitário que luta pelas gerações futuras.
Carlos Marques esteve na estrada nacional 109, em luta: «estou na rua pelas gerações futuras. Felizmente ainda tenho trabalho. Sim! Trabalho para sobreviver é verdade, mas tenho trabalho! As gerações futuras estão em risco, falta de trabalho, salários precários (...) Mas, que futuro é este? Que Portugal é este?»"


Saturado de tanta negociata, corrupção e compadrio, farto de tanta impunidade e do descaramento, o portuga há muito que utiliza as redes sociais para manifestar a sua indignação.
Em França, levantaram o cu do sofá, desligaram o computador, vestiram o colete amarelo e foram para a rua exigir justiça social. No primeiro protesto, terão saído à rua 300 mil. Desde então, o número de manifestantes foi diminuindo, mas isso não impediu que Macron recuasse, de forma desastrada, após o quarto protesto, numa tentativa desesperada de recuperar popularidade junto do eleitorado francês. De pouco lhe valeu.
Ainda assim, o recuo do presidente foi uma clara vitória dos manifestantes, extremistas ou não. Quatro protestos depois, Macron falou ao país para rasgar o aumento do preço dos combustíveis e anunciar um aumento de 100€ no salário mínimo, entre outras medidas que integravam o rol de exigências dos coletes amarelos.
A solução encontrada por Macron mostrou ao mundo, e aos europeus em particular, que pequenas mudanças, tão importantes para quem vive a contar trocos, são difíceis, mas possíveis. Até porque o presidente francês sabe que tem Marine Le Pen à perna. Ou, como Ricardo Araújo Pereira o colocou no Governo Sombra da passada semana, “porta-te bem, senão voto dos fascistas”.


Por cá, na passada sexta-feira, tivemos uma manifestação de coletes amarelos. Uma manifestação que se quis ordeira, sem violência ou outros incidentes  - à portuguesa, o que não tem mal. Uma manifestação que se dizia apartidária, apesar de ter entre os seus organizadores, adeptos de Trump, Bolsonaro e Salazar. Uma manifestação que, apesar disso, teve bandeiras com as quais praticamente todos nos identificamos. Como se viu, foi um movimento extremamente desorganizado. Os organizadores, eventualemente terão considerado que o barulho nas redes sociais chegaria para trazer as pessoas para a rua. A escolha, desastrada, de uma sexta-feira a três dias do Natal, a oportunística infiltração da extrema-direita e uma série de reivindicações irrealistas ou incompatíveis, contribuiu para que o protesto dos coletes amarelos portugueses fosse o fracasso que foi.
O fracasso da iniciativa, contudo, não significa que as pessoas que estão fartas de viver no fio da navalha, sufocadas por uma fiscalidade insustentável, cansadas de resgatar bancos, de sustentar caciquismos e de financiar regabofes público-privados, onde o risco fica a seu cargo e o lucro é enviado para um paraíso fiscal, saturadas de uma justiça que não tem mão nos poderosos, de serviços públicos insolventes e de um sistema que não promove o mérito ou a igualdade de oportunidades, não continuem insasisteitos.
A prolongar-se o estado a que isto chegou, há um risco que não pode ser ignorado: pode haver milhares de democratas que transitem para as garras do populismo autoritário, que hoje veste colete amarelo, mas que se chegar ao poder os proibirá de imediato.

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