“Ninguém que saiba um pouco de economia, ou mesmo de
ciências sociais, alguma vez se lembraria de tentar avaliar o papel de De
Gaulle no crescimento económico francês. Ou o papel de Edward Heath na crise
que atingiu a Grã-Bretanha no início dos anos 1970. Ou o papel de Salazar na
idade de ouro da economia portuguesa (1950-73). Visto com alguma distância,
tudo isto parece - e é - absurdo. A razão é que, com alguma perspectiva
histórica, as pessoas rapidamente se apercebem que o número de factores em
jogo, em qualquer momento histórico, ultrapassa a acção de um
primeiro-ministro, ou mesmo de um governo. Se essas coisas fossem fáceis de
interpretar, tudo seria sempre claro, taxativo e sem lugar a discussão. Ora o
mesmo se passa no tempo presente. A discussão sobre a responsabilidade de um
primeiro-ministro é sempre fortuita. Os que gostam dele dizem que ele foi bom e
apresentam uns factos e uns números, e os que dele não gostam apresentam outros
factos e outros números, numa discussão necessariamente inconclusiva. Sócrates,
ao vir à televisão defender o seu consulado, armou a melhor armadilha que podia
ter armado. Com dois anos de preparação, uma grande ambição e, porventura,
alguma ajuda, só poderia trazer factos e números verdadeiros. Algo tão fácil
como dizer crescimento ou dívida. E todos os opositores lhe caíram em cima, com
outros factos e outros números. É uma discussão sem fim, pois o exercício será
sempre inconclusivo. Ao fazer o que fez, Sócrates conseguiu pôr-se no centro
das atenções e colocar a discussão no terreno que mais lhe convém. E, pelo
caminho, desviar-nos daquilo que verdadeiramente deve ser escrutinado. Um
político deve ser avaliado, em primeiro lugar, pela sua forma de fazer
política.”
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