quinta-feira, 9 de julho de 2020

Progresso? Insucesso? Ou retrocesso?...

Aí pelos idos de 2010, 2011, as Câmaras Municipais (a Figueira também...) colocaram as aldeias às escuras, à noite, desligando as luzes para não gastarem energia. Assim aconteceu na minha aldeia (a excepção, foi a minha Rua). Há sessenta anos atrás, a minha aldeia quase que não tinha electricidade: nem de noite nem de dia.
Em 2011 - basta consultar os jornais - a moda para as mulheres passou pelo retorno do  espartilho e os "soutiens” feitos de materiais duros, como a corticite. Há sessenta anos atrás, as mulheres usavam espartilho.
Aqui há tempo  a Segurança Rodoviária quis  instituir a velocidade máxima de 30 km/h. Era o que acontecia há sessenta anos atrás, quando em vez de automóveis havia carroças.
Devido ao aumento do preço do tabaco, há muita gente que ressuscistou o hábito de fumar  tabaco de enrolar. Tal como era frequente há sessenta anos atrás. 
As cabras voltaram  a ser utilizadas para prevenir os incêndios florestais, mandando-as pastar para as florestas comer aquilo que, não sendo eliminado constitui, um figo à deflagração dos fogos. Foi recuperada uma técnica de sessenta anos atrás.
Tudo isto está aconteceu em nome do futuro, recuperando aquilo que havia no passado.
Há sessenta anos atrás, havia o barco que fazia a travessia entre a Figueira e o Cabedelo. Até hoje, apesar das promessas, não foi reatada a travessia fluvial do Mondego.

Raros são os recantos, como é o caso do Cabedelo, em que as pessoas, quase todas vindas do outro lado da cidade, consegue ter ali uma vivência e uma vida que, em conjunto, faz sentido. E que, por ser diferente e orgânica naquele lugar especial que é o Cabedelo (na sua normalidade quotidiana), emociona e dá paz e harmonia à alma de quem, vindo do lado norte da cidade, a consegue contemplar da outra margem. 
Fala-se muito na requalificação do espaço e menos noutros pormenores felizes e representativos do espírito da zona: os espaços naturais de convívio que lá existem. Não têm a sofisticação – sobretudo e ainda bem - artificiosa dos recriados espaços que, dizem, estar a requalificar, mas são os autênticos do espírito do verdadeiro Cabedelo, que proporcionam, a quem o visita, sentir que está num lugar diferente e especial.
Estão a matar o Cabedelo, aquele local que ainda consegue oferecer essa antiga ilusão que ninguém consegue ver, mas alguns conseguem sentir, que se chama  intimidade - talvez, a mais importante de todas as utopias.


Dois elementos do executivo da junta de freguesia de S. Pedro foram ao local e retiraram a placa. Foram eles, os senhores António Manuel dos Santos Salgueiro, presidente, e Jorge Aniceto Pimentel dos Santos, penso que tesoureiro.
A liberdade de expressão é, na liberdade, um dos direitos mais importantes que se tem.
Sem ela, nada mais existe. O meu entendimento de liberdade, de expressão e opinião, tem no centro o direito de os outros se exprimirem com toda a liberdade, mesmo que isso nos ofenda. O que não era o caso. É o direito de os outros dizerem aquilo que mais nos choca, que quem ama a liberdade defende acima de tudo. Não há relativização possível para este critério. Isto, para quem ama a liberdade, é uma questão de vida ou de morte, pois estamos perante uma questão política.
A liberdade é, por si própria, um bem inquestionável e a sua conquista um motivo de regozijo sem espaço para reticências. Não é uma matéria de direita ou de esquerda.
É um assunto transversal da sociedade.
Como qualificar este processo? Progresso? Insucesso? Ou retrocesso?
O que vai restar? Do que é que as pessoas se vão lembrar?
Não sei se é por ter me ter criado e crescido por ali, "à solta", mas do que me vou lembrar é de uma fatia que vai fazer parte do saque feito ao litoral, desde o Minho até ao Algarve.
A coberto das denominadas requalificações, sítios onde antes, e a pretexto da defesa da natureza, do meio ambiente e da protecção do ecosistema, nem sequer uma tenda de campismo selvagem se podia erguer, estão agora ocupados por urbanizações e resorts, mais as suas piscinas, campos de ténis e campos de golfe.
É disto que me vou lembrar quando pensar no Cabedelo de há 60 anos: da destruição do património natural comum para benefício de uns quantos.

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