Na
oportunidade, o Pastor João Neto, agora reformado, mas não acomodado (como sempre, continua atento e
interessado ao que se passa em S. Pedro, freguesia de que fazem parte a Cova e a Gala, essas duas povoações tão importantes no
riquíssimo, sob o ponto vista social e humano, percurso de vida do Pastor João
Neto), publicou no jornal "A Voz da Figueira" o trabalho de que transcrevemos grande parte mais abaixo.
Sem
pretender comparar-me com uma figura de referência (e não só a nível local e regional: é uma figura respeitada nacional e internacionalmente), fica aqui
uma singela homenagem a um Homem com quem, pelo menos, ouso ter a veleidade de
afirmar que tenho uma coisa em comum: nem eu, nem o Pastor João Neto, nos
imaginamos a viver longe da Cova e Gala.
Fica
o artigo do Pastor João Neto que me trás recordações da Cova e Gala de há cerca
de 50 anos – o tempo difícil, mas feliz, da minha meninice.
Sous-développement ET COVA, VOUS CONNAISSEZ ?
“Cova é uma pequena aldeia de 2.500 habitantes,
localizada à beira do Atlântico, perto da importante cidade balnear da Figueira
da Foz (Portugal), onde se vive pior que nas localidades vizinhas: a ausência
de esgotos, a corrente eléctrica considerada uma excepção, a miséria material,
as condições de trabalho desumanas, a deterioração das células familiares, a má
nutrição é, lamentavelmente, a situação de toda uma região economicamente
desfavorecida”. Era assim que
começava um artigo no “Journal de Genève”, de 12 de Setembro de 1970. Nesse dia
um grupo de jovens suíços, que tinha participado, nesse verão, em dois campos
de trabalho na Cova, organiza uma marcha silenciosa, partindo do Monumento da
Reforma, percorrendo as ruas daquela cidade helvética, seguindo-se uma
conferência de imprensa. O seu objectivo foi chamar a atenção da população
local de que o subdesenvolvimento não é só um problema de certas regiões da
África e da Ásia, mas que ele também existe na Europa, como era o caso da Cova.
Esses jovens não
estavam longe da realidade. Algum tempo mais tarde, tendo o Centro Social da
Cova e Gala convidado o então presidente da Câmara Municipal da Figueira da
Foz, Eng. Jorge Pinho, a visitar a localidade, ele, acompanhado de vários
técnicos camarários, concluía a sua visita, referindo-se aos muitos problemas existentes : “Cova é como um novelo de lã em
que não sabemos onde está a ponta por onde se deve puxar”. Quem conheceu a Cova
desse tempo sabe que assim era. Foi por isso que a Igreja Evangélica Presbiteriana
de Portugal, baseada na sua pequena comunidade da Cova e Gala, se lançou, em
1969, num Projecto de Desenvolvimento Comunitário. O primeiro passo foi abrir a
aldeia ao exterior, chamar a atenção de quem de direito para ela e seus
problemas. Apesar de Cova e Gala se encontrarem apenas a três quilómetros da
Figueira da Foz, Cova era um lugar isolado, quase que perdido, onde ninguém se
deslocava. Daí o termos organizado ao longo dos anos mais de cem campos
internacionais de trabalho, em que participaram mais de três mil jovens de diversas
nacionalidades europeias, do Canadá e dos Estados Unidos, tornando-se verdadeiros
e singulares embaixadores do Projecto da Cova e Gala nos seus países. Ao mesmo
tempo, foram organizadas, anualmente, viagens de informação pela Europa,
acompanhadas pelo Grupo de Folclore Infantil e Grupo Coral de Adultos do Centro
Social da Cova e Gala, em que se procurava dar a conhecer a situação social e
política, mas também cultural da nossa região. A sua acção foi de um valor inestimável, de tal maneira que, em 1980,
uma editora alemã convida o jornalista germânico Hans Gerhard Gensch a escrever
um livro sobre o Projecto de Desenvolvimento da Cova e Gala, com o título
“Ernte in den Dunen” (Colheita nas dunas). Este livro chegou a ser usado em
muitas escolas suíças e alemãs como livro de texto duma experiência de
desenvolvimento. Também a televisão alemã desloca-se ao concelho da Figueira da
Foz e faz um programa sobre o Centro Social da Cova e Gala. Muitos são os
recortes de jornais europeus e americanos que noticiam e relatam as actividades
da instituição e seu projecto. Dizia alguém, com certa graça : “Cova e Gala é
mais conhecida no estrangeiro do que em Portugal”. E era verdade ! Cova e Gala
tornou-se internacional, abriu as suas
portas e deixou para trás o seu isolamento inicial. Estava atingido o primeiro
objectivo.
Sempre foi seu alvo
prioritário ser um projecto ecuménico, aberto, colaborante e participativo,
independente de ideologias, tendo como alvo servir o próximo, sobretudo, os
mais fracos, mais pobres e desprotegidos, procurando dar voz a quem não tem
voz. A sua máxima “Não fazer sozinho o
que puder fazer conjuntamente” é o princípio orientador de toda a intervenção
do Centro Social da Cova e Gala desde o seu começo. Daí termos trabalhado
conjuntamente com toda a equipa concelhia do então Instituto da Família e Acção
Social, com destaque da assistente social Alzira Fraga, responsável pelo núcleo
concelhio. Criou-se então o Grupo de Apoio à Primeira e Segunda Infância do
concelho da Figueira da Foz, iniciativa inédita e única, num país burocrático e
em que cada um quer ser senhor da sua quinta. Estivemos presentes
em muitas outras iniciativas concelhias, distritais, nacionais
e internacionais e participámos na organização de várias instituições. Sentimos
que ao longo dos anos temos sido enriquecido nas nossas experiências, ainda que
em certos momentos, sobretudo durante a Ditadura, sofrêssemos dificuldades e
reveses. Porém, tudo contribuiu para o fortalecimento da instituição.
O Centro Social da
Cova e Gala surgiu numa época de grandes aberturas internacionais. A acção
libertadora do Conselho Mundial de Igrejas, o II Concilio do Vaticano, a
Teologia da Libertação, o Centro Ecuménico Reconciliação, na Figueira da Foz,
tudo contribuiu para que as pessoas se abrissem ao diálogo e as suas
consciências fossem possuídas pelo espírito de revolta e desejo de libertação e
destruição de todo o tipo de opressão e de injustiça. O Centro Social está nessa
linha e, por isso, funda-se e segue a pedagogia de Paulo Freire (alfabetização,
conscientização e politização), adaptada à realidade portuguesa e a experiência
de desenvolvimento comunitário do Centro Social de Riesi (no interior da
Sicília), dirigido pelo já falecido Pastor Tullio Vinay. O nosso programa
procura responder às necessidades das famílias, das crianças, dos jovens e dos
idosos. Dá atenção ao desenvolvimento da agricultura intensiva através de
estufas. Promove acções culturais e está aberto a outras iniciativas que
estejam de acordo com os seus princípios. Por isso, realizações de avaliação periódicas. Em 1980, com a
colaboração do Instituto Ecuménico para o Desenvolvimento dos Povos (INODEP), com
sede em Paris, realizou-se o primeiro seminário sobre “Elaboração e Avaliação
de Projectos de Desenvolvimento”, porquanto toda a instituição deve reflectir
sobre a sua prática para avaliar até que ponto a sua intervenção está a
contribuir para a transformação da realidade onde se insere e actua, tendo em
consideração o projecto de desenvolvimento que assume e os objectivos que
pretende atingir. Posteriormente outras acções de avaliação tiveram lugar.
Face à crise social,
económica e financeira que se vive no nosso país, instituições como o Centro
Social da Cova e Gala vivem momentos muito difíceis por falta de recursos para
responder a todas as necessidades e apelos. Apesar de tudo, não fossem as
instituições particulares de solidariedade social a tentarem responder, nesta
hora, às necessidades de quem precisa de
apoio e solidariedade, e os dramas seriam muito maiores. Para realizarem o seu
trabalho as IPSS precisam da colaboração das entidades oficiais. Elas não podem
nem querem substituir o Estado nas suas responsabilidades sociais. Elas querem
tão-somente colaborar, mas para isso precisam de ajuda empenhada por parte do
Estado.
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