Ser acusado de prevaricação por, alegadamente, ter defendido os interesses da sua família contra os interesses do município e essa acusação ter sido reforçada com uma pronúncia, deixou de o afectar em exclusivo. Tornou-se um problema da democracia e, acima de tudo, um problema da cidade. Não se pode esperar que os políticos sejam modelos de virtude acima do homem comum; mas deve-se exigir que estejam acima de qualquer suspeita razoável. Não é o caso — como não é o caso de cerca de 20 autarcas do PS e do PSD na mesma situação.
Rui Moreira pode argumentar que em causa está uma ingerência da Justiça na política, uma perseguição, o acumular de erros grosseiros. Está no seu direito. Mas há que encarar a realidade. As acusações gravíssimas do Ministério Público foram integralmente aceites pela juíza de instrução. Ser pronunciado, diz a lei e a jurisprudência, significa para o tribunal que, face aos indícios apresentados, “é muito provável a futura condenação do arguido” ou que esta será “mais provável que a sua absolvição”.
As provas sugerem que, depois de chegar ao poder, o tratamento da sua empresa familiar, a Selminho, mudou. As testemunhas adensam dúvidas. Rui Moreira diz que nada mudou, mas não é verdade. A juíza de instrução validou na íntegra as acusações do MP. E isso faz a diferença.
Pergunta-se, pois, como pode um autarca nestas condições ser candidato numa democracia adulta. Sem que contamine a campanha com a nódoa da suspeita. Impedindo que a cidade se discuta para lá do ego ou da honorabilidade do seu presidente. Deixando-a na dúvida sobre se a política pode ser um braço do tribunal.
Rui Moreira não foi ainda condenado por um “juízo de certeza como no julgamento”, lê-se no despacho. É, por isso, inocente. Num assomo de devoção à cidade que o elegeu, deve continuar a lutar pela sua defesa não na qualidade de político, mas na condição de cidadão. A bem da democracia e do Porto que ele diz “amar”, era bom que não se recandidatasse.»