O António era um senhor.
Bom trabalhador, bom chefe de família, bom pai, bom vizinho e bom aldeão.
Escrevia nos jornais e falava na rádio.
Era uma voz livre e um corpo elegante, sem a barriguita proeminente e uma barba que vinha de outros tempos.
Um dia, já lá vão quase doze anos, ao senhor António, deu-lhe a mania dos blogues e foi-se a eles.
Criou um, hoje na Figueira nome escolástico, pesado e grave.
O blogue, com o tempo e como o tempo, crescia, crescia, crescia e cresceu.
Na Figueira, mais do que qualquer um dos outros.
Tornou-se o mais falado, o mais lido, o mais famoso, o mais odiado e o maior.
O António não gostou, principalmente que andem para aí a dizer que é um solitário e que só tem amigos, porque têm medo dele.
O António espera que o blogue que havia crescido mais do que ele, volte ao normal.
O António, qual marginal, voltaria a ficar contente.
Já estou a ver o António, a coçar o umbigo, e a murmurar para si: “marginal, mas não bruto”, no tom em que o outro canta “romântico, mas não trôpego”.
O António, no fundo é um danado.
Triste, é ser dos bons.
Nota de rodapé.
Qualquer semelhança entre o parodiado e a realidade é, claro está, mera ficção, não coincidência.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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