"Foi a percepção de que para a ‘sua’ Seiva resistir a tantos tratos de polé que sofrera na última década e renascer e renovar-se, pondo à frente da vaidade (dominante no meio) de querer ver a morte da criatura depois do seu criador a abandonar, é um acto que junta inteligência, generosidade e a prova do verdadeiro amor e do saber com que a construiu em quase meio-século já passado. Não o digo em homenagem, até porque sei que posso continuar a contar com ele para outros sucessos da Seiva Trupe que se adivinham e que alguns deles ainda conseguirão espantar os agnósticos disso ou mesmo aqueles que, mediocremente, ambicionavam que ela desaparecesse. Digo-o porque, mais do que todos os grandes êxitos que a Seiva Trupe-Teatro Vivo teve no seu ‘consulado’ e sobre os ombros da sua criatividade e da sua capacidade operativa, repartidas em várias partes com o António Reis, a ousadia do convite traduziu o desejo inquestionável de que a criatura fosse para lá do criador, prosseguisse e continuasse a ser o que (quase) sempre foi: um estandarte da Cidade e do Norte. É este o grande triunfo de Júlio Cardoso. Que transcende o próprio, mas por vontade do próprio, tornando-o, ainda mais, a referência definitiva da Seiva Trupe-Teatro Vivo nas linhas que esta ocupar (e já ocupa) na memória do Teatro Português.
E quando chegar a minha hora, depois de ter sabido conseguir atingir as metas a que me propus (incluindo a de sementes que só florescerão depois de mim), voltarei a tornar-me seu discípulo para ter a mesma lucidez de saber o momento de passar de mãos a direcção artística, com a mesma atitude de normalidade e sem intromissão, tal como o meu Mestre o fez comigo.
Poderia dizer que, num certo sentido, este triunfo de Júlio Cardoso é também uma bofetada de luva branca a muitos dos seus detractores, no meio. Mas prefiro dizer que foi o maior afago que tornou público o seu amor à Seiva Trupe, ao Teatro, ao Porto. E às suas tão peculiares Gentes."
Castro Guedes
Artigo de opinião no jornal Público
Sem comentários:
Enviar um comentário