"Quando comecei a escrever, ainda miúdo, diziam-me que escrever não era vida para ninguém, ser artista é muito difícil. Quando comecei a partilhar diziam-me para guardar as palavras nas gavetas, não devemos partilhar o que sentimos. Quando comecei a ter alguns seguidores havia quem me dissesse para estar quieto por não ter jeito nenhum para escrever. Agora que estou onde estou, a fazer o que faço, dizem-me que nunca chegarei onde quero chegar. E enquanto o caminho se perpetuar, durante o curto momento que é a minha vida, continuarei a ser demovido de avançar, a ser tentado a cair na inércia: por ser difícil, por não ser suficientemente bom, por dever seguir as direcções que todos os outros apontam.
É verdade: não é fácil. Viver, escrever, amar, crescer, navegar, construir. Tudo o que nos constrói requer esforço. Porque o mundo, como existe, é uma máquina de destruir. Daí ser tão fácil nos destruirmos uns aos outros, nos desacreditarmos uns aos outros, mas tão difícil construir. O mar bate constantemente na pedra, mudando-lhe a forma, o vento arredonda-lhe as esquinas, ambos a vão transformando em areia, ao longo do tempo. Mas por mais que o tempo passe, o mar, o vento não transformarão a areia novamente em pedra. Acho que somos todos um pouco como aquela pedra, exposta aos elementos. Sabemos que no fim seremos areia, porque a realidade é perita em destruir-nos, mas, enquanto vivermos, vamos resistindo, fiéis à nossa génese, e ao nosso propósito mundano.
Uma última imagem:
onda,
pedra,
espuma,
cidade,
azul,
verde,
casa,
horizonte"
Ser conterrâneo de Pedro Rodrigues, escritor, é um privilégio.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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