A menos que estejamos perante uma jogada de antecipação dos Meritíssimos Juízes em relação à proposta de António José Seguro de criar um tribunal especial para facilitar a vida e os negócios [ou os negócios e a vida, como queiram] aos investidores estrangeiros, os Digníssimos Juízes deviam explicar ao povo, porque é do povo o dinheiro que anda em bolandas, e, fazendo uso do "imenso rigor intelectual", recorrendo a uma linguagem que o povo perceba, como é que uma verdade aparentemente simples – para haver corruptores tem de haver obrigatoriamente corrompidos, ou vice-versa, é afinal uma verdade absolutamente complexa: uma empresa, a Ferrostaal, e dois seus ex-executivos são julgados, e condenados, em tribunal alemão por suborno de funcionários públicos estrangeiros na venda de submarinos, depois de admitirem ter pago subornos à Grécia e a Portugal, o mesmo Portugal onde um tribunal português não deu como provada a existência de subornados.
(daqui)
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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