sábado, 14 de abril de 2007
João Cenáculo Vilela, um resistente
“Companheiros, se eu não voltar, é porque deram cabo de mim”.
Foi com esta frase que João Cenáculo Vilela se despediu dos seus camaradas de presídio, numa das vezes em que foi chamado para mais uma sessão de tortura, nos calabouços da PIDE/DGS.
Mas voltou. E a prova que voltou é que está agora connosco para nos contar que foi preso em cinco ocasiões, nas quais somou nove anos de prisão.
Militante do PCP desde 1933, este familiar de António José de Almeida, o ex-presidente da República, e filho de um militar salazarista, operário vidreiro reformado, lembra-se da primeira vez em que foi transformado em preso político: estava num café em S. João da Madeira, “Café Santos”, a festejar o 1º de Maio com outros colegas de trabalho e, bem entendido, de ideologia.
As prisões sucederam-se por vários motivos, entre 1948 e 1960, ora por denúncia de ser comunista, ora por actividade política descoberta pelo “inimigo”. Conheceu as prisões de Coimbra, de onde é natural, Aljube e Caxias. 33 meses de uma vez, 7 meses de outra, 2 anos, e por aí fora, tudo somado dá 9 anos, e sem qualquer julgamento.
Hás muitos anos que reside na Figueira da Foz.
Com 86 anos de idade, João tem ainda a memória em grande forma, e conta-nos que trabalhou um mês de borla, porque não voltou ao trabalho, depois de dois responsáveis da empresa onde estava o terem convidado para integrar a Legião Portuguesa. Decididamente, uma marca que ele não fumava.
Nem no seu olhar, nem em qualquer expressão do seu rosto, deixa que se note qualquer sintoma de ódio ou de revolta. Nele, que foi um revoltado, mas que, em pleno fascismo, explicou a revolta a um chefe de uma empresa vidreira onde trabalhou: “Sou eu que sou revoltado ou são vocês que não cumprem a lei?”.
Pergunta de um combatente da Liberdade, que a pagou com 9 anos nas prisões fascistas, que ficou sem resposta.
João sorri. Tem a consciência tranquila e está bem com a vida. Como qualquer revolucionário.
Alexandre Campos
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6 comentários:
Esta “estória de vida” do velho Vilela, trazida pela pena do Alexandre, dá conta, na sua autenticidade simples, de um Grande Português, anónimo, que pagou caro o ter tido a ousadia de querer ser livre num “Portugal amordaçado”.
Foi mais um barbaramente torturado, a mando desse monstro, que ainda não há muito tempo, o canal publico de televisão, pago com o dinheiro dos contribuintes portugueses, promoveu, como se de uma brincadeira se tratasse, o branqueamento público.
É por essas e por outras, nomeadamente, aquilo que os sucessivos governos
Constitucionais saídos de eleições, que só a luta de pessoas como o Vilela, veio a permitir fossem livremente escolhidos, têm feito deste desgraçado País, que convém refrescar a memória, lembrando quem foi realmente lutador pela Liberdade em Portugal.
A memória é curta e há homens muito velhacos, oportunistas e sem princípios.
Neste mês de Abril, iremos falar de mais alguns. Não heróis, mas homens simples, de carne e osso, que passaram pela vida lutando com honestidade e a pensar no bem comum.
Após a leitura, coloquei a mim próprio algumas questões: que fazer hoje, para combater estes tempos de aridez ideológica? Como enfrentar a liberdade sem medos, de chamar as coisas pelos nomes, de viver democráticamente aceitando diferenças? Como fazer? Defender apenas os nossos pontos de vista como válidos? Desprezar outros, porque contrários? A encruzilhada presta-se a muitas e variadas questões. Há tempos li que com o "Manholas" foram possíveis todos os heroísmos, todas as coragens para enfrentar o monstro. Sem o regime que construiu não seria possível hoje registar-se a coragem moral destes combatentes pela liberdade.
E hoje? Os lutadores só existiram enquanto existiu fascismo?
Então, que fazer hoje,em liberdade? Combater a liberdade, para que nela só alguns se possam exprimir? A questão é complexa.
Mas a estes HOMENS E MULHERES, ninguém lhes pode retirar, por mais ou menos branqueamentos, que se pratiquem, por mais concursos sem conteúdo, por mais arautos que se levantem, é já impossivel calar os seus exemplos de abnegação de altruísmo, de desejo de lutar pela liberdade. Mas nós, herdeiros dessa liberdade conquistada e pela qual eles lutaram, quem somos nós, que ainda não aprendemos o que é a liberade?
Que fazer? O que o grande poeta e professor de História nos disse: "O que é preciso é animar a malta, o que é preciso é avisar a malta".
É sempre difícil o conhecimento teórico das coisas. Por isso, embora devamos explicar e sensibilizar os jovens para o que se passou em Portugal durante a ditadura,creio que ficaremos sempre aquém do que pretendemos. Isso é inevitável.
Os homens lutam pela liberdade e conquistam-na com grande dificuldade;os filhos,criados tranquilamente,deixam-na escapar novamente;e os netos voltam a ser escravos.
Eça de Queirós
Bem-haja Alexandre Campos
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