Assinalando o Dia Internacional da Erradicação da Pobreza (17 de outubro), o Instituto Nacional de Estatística apresentou ontem - num documento síntese que vale a pena ver na íntegra - os dados definitivos do mais recente «Inquérito às Condições de Vida e Rendimento». O balanço da legislatura que agora termina não podia ser mais claro: Portugal converteu-se num país mais pobre e mais desigual, como demonstram os resultados obtidos pelo INE.
O Risco de pobreza, que se manteve em cerca de 18% até 2011 dispara, em 2013, para 20%. A Intensidade da pobreza sofre um agravamento sem precedentes: aumentando apenas cerca de meio ponto percentual durante a crise financeira (2008-2011), regista um acréscimo de dois pontos percentuais desde então (para passar a situar-se, em 2013, nos 30,3%). A Privação material severa, que traduz a carência forçada num conjunto de itens (como a capacidade para pagar a renda, ter uma refeição de carne ou de peixe pelo menos de 2 em 2 dias, ou manter a casa adequadamente aquecida) atinge os 10,6% (quando entre 2008 e 2011 tinha descido de 9,7 para 8,3%). Por último, a Desigualdade na distribuição do rendimento atinge um rácio de 6,2 na diferença entre a proporção do rendimento dos 20% da população com maiores rendimentos e o rendimento auferido pelos 20% com menores rendimentos). Poderá pensar-se que estes são os custos inevitáveis do «ajustamento», mesmo quando os dados desmentem a «ética social na austeridade», prometida pelo governo no início da legislatura. Mas o que sucede, na verdade, é que o empobrecimento constitui um dos vectores essenciais da proclamada «mudança estrutural da economia portuguesa», assente na competitividade à custa de cortes nos salários directos e indirectos (e que implica, por seu turno, a desestruturação do mundo do trabalho e o reforço das «zonas de conforto» e dos rendimentos do capital).
É por isso, aliás, que muito do que está em causa nos dias que correm é a escolha, para o nosso futuro, entre uma economia medíocre, que aprofunda o empobrecimento do país, e uma economia aposta na qualificação do trabalho, na modernização dos tecidos produtivos e na coesão social. Pensar que uma e outra se podem conciliar e calibrar, num qualquer Orçamento de Estado negociado com a direita, é não perceber o que se passou nos últimos anos e subestimar a agenda ideológica que se pretende prosseguir, com a ajuda e cumplicidade das instituições europeias. Já bastam, de facto, as dificuldades e constrangimentos que teremos de enfrentar.
Nuno Serra, via Ladrões de Bicicletas