por Viriato Soromenho-Marques, em 30-11-2024
Estamos a viver no perigoso tempo, antecipado como alerta pela inteligência de Kennan. Que poderemos fazer?
A escalada para o abismo em que nos encontramos foi antecipada e combatida por George F. Kennan (1904-2005) há 30 anos. Ele foi o príncipe da diplomacia dos EUA. Culto e poliglota – dominava o alemão, o russo e o português, entre muitas outras línguas -, distinguiu-se por ter lançado as bases da política de Washington face à URSS, no pós-guerra.
O ponto de partida foi um “Longo Telegrama” (5363 palavras), enviado de Moscovo, em 22/02/1946, para James Byrnes, secretário de Estado. Nele se defendia uma doutrina de “contenção” da URSS, através de uma estratégia que pusesse o “soft power”, e não a força militar, na primeira linha.
O Plano Marshall, que alargou a influência americana pela via económica e cultural, é o melhor exemplo de contenção. Kennan esteve colocado em Lisboa, entre 1942 e 1943, tendo desempenhado a função de encarregado de negócios dos EUA, após a morte súbita do embaixador. Foi Kennan o mediador entre Roosevelt e Salazar para a cedência de instalações aos navios e à aviação norte-americana, respetivamente, no Faial e na Terceira.
A implosão pacífica da URSS, foi saudada por Kennan como uma oportunidade única para uma fase de paz duradoura na História Mundial. Por isso, não hesitou em travar uma dura batalha de argumentos quando percebeu que o presidente Clinton não iria honrar a promessa de não-alargamento da NATO, feita pelos EUA a Gorbachev, através do secretário de Estado James Baker, numa reunião sobre a reunificação alemã, em 09/02/1990.
O combate de Kennan – e muitos outros diplomatas, políticos, e intelectuais dos EUA -, não impediria o primeiro alargamento em 1999, a que se seguiram mais quatro, juntando no total 14 países, até ao início da guerra da Ucrânia.
Em 05/02/1997, Kennan escreveu num artigo no NYT: “Expandir a NATO seria o erro mais fatal da política americana na era pós-Guerra Fria. Tal decisão pode… impulsionar a política externa russa em direções que decididamente não são do nosso agrado.”
No mesmo jornal, mas em 02/05/1998, aos 94 anos, entrevistado por Thomas L. Fried- man, Kennan denunciaria o perigo fatal da russofobia: “As nossas diferenças na Guerra Fria eram com o regime comunista soviético. E agora estamos a virar as costas às mesmas pessoas que montaram a maior revolução sem derramamento de sangue da história para remover esse regime soviético. (…) É claro que haverá uma reação negativa por parte da Rússia, e então [os defensores da NATO] dirão que ‘sempre lhes dissemos que é assim que os russos são’ – mas isso é simplesmente errado.”
Estamos a viver no perigoso tempo, antecipado como alerta pela inteligência de Kennan. Que poderemos fazer?
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