Notícia de ontem do Diário de Notícias: PSD pede "esclarecimento cabal" a Medina sobre nomeação de mulher de Galamba.
Primeira página de hoje, 12 de Abril de 2023 do Correio da Manhã.
Fica a pergunta: polémica com Galamba é alguma novidade ou "é apenas mais um episódio"?
Claro que não: é, apenas, mais um episódio da tomada de poder que os partidos em Portugal concretizaram há dezenas de anos do aparelho de Estado.
Nada disto é novo. Nada disto é surpreendente. É mais do mesmo.
Têm dúvidas?
Recordemos um artigo do jornal O Independente, datado de 7 de Fevereiro de 1992: "Governo de Cavaco Silva nomeou 10 mulheres de ministros e secretários de Estado e mais 4 familiares diretos".
Dias Loureiro, Fernando Nogueira, Marques Mendes, Arlindo Cunha...
O que têm em comum estes ex-membros do Governo de Cavaco Silva?
As respetivas mulheres foram nomeadas para cargos na estrutura do Executivo.
Mas há quem tenha a memória curta. Cavaco Silva, por exemplo, em 3 de Abril de 2019, na apresentação do livro “A Reforma das Finanças Públicas em Portugal”, de Joaquim Miranda Sarmento, então porta-voz do conselho estratégico nacional do PSD, referindo-se ao tema, afirmou o que se segue: “Como se tem vindo a e verificar, a prática de 'jobs for the boys' é muito negativa para o país e para os portugueses. No livro que escrevi em 2017, classifiquei as situações deste tipo como indecorosas".
Cavaco, ao que presumo, continua a repugar os “jobs for the boys”. Porém, no tempo em governou não se opunha aos “jobs for the girls”. O Polígrafo investigou a época do cavaquismo e encontrou um fenómeno peculiar que destrói por completo a argumentação do ex-primeiro-ministro e as actuais críticas do PSD: a nomeação em série de mulheres de ministros e de secretários de Estado para gabinetes governamentais e estruturas dependentes do Estado.
Num artigo do jornal O Independente, datado de 7 de Fevereiro de 1992 (a meio da segunda maioria absoluta do PSD), as nomeações são expostas em catadupa. Quase ninguém escapa.
Maria dos Anjos Nogueira, mulher do poderoso ministro da Presidência e da Defesa Nacional, Fernando Nogueira, foi colocada como adjunta do secretário de Estado da Saúde, José Martins Nunes. Confrontada pelo Independente, confirmou a nomeação, mas recusou-se a comentá-la.
Também Fátima Dias Loureiro, mulher de Dias Loureiro, ministro da Administração Interna, foi para adjunta de Pedro Santana Lopes. Licenciada em História, foi-lhe atribuído um salário mensal de 310 contos líquidos. Ao Independente afirmou que “estou cá e não guardo segredo (...) estou cá pelo que sou”.
Também Sofia Marques Mendes, mulher do agora comentador da SIC (que na altura era um dos membros mais influentes do Governo), foi nomeada para adjunta do secretário de Estado da Agricultura, Álvaro Amaro. Licenciada em Línguas e Literatras Modernas, fora professora durante oito anos. Salário que passou a auferir no Ministério da Agricultura: os mesmos 310 contos que a mulher de Dias Loureiro. Em declarações ao jornal então dirigido por Paulo Portas, afirmou que ainda se estava a “meter nos assuntos”, mas que “gostava” do trabalho de gabinete.
Outro caso apresentado era o de Margarida Cunha. Mulher do então ministro da Agricultura Arlindo Cunha, foi nomeada secretária do ministro Couto dos Santos, com o salário de 150 contos mensais. Ao jornal, justificou a sua nomeação com “a confiança pessoal e política que existe à partida para estarmos aqui dentro.”
Também Carlos Encarnação, secretário de Estado Adjunto na Administração Interna, tinha a sua mulher no Governo. Maria Filomena de Sousa Encarnação era adjunta do subsecretário de Estado da Cultura, António Sousa Lara. Advogada em Coimbra, acompanhou o marido para a capital, onde já fora chefe de gabinete do então Provedor de Justiça, Mário Raposo.
Outro caso: Maria Cândida Menezes. Reconhece o apelido “Menezes”? Sim, pertence a Luís Filipe Menezes, na altura secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e futuro líder do PSD. Maria Cândida era secretária de Fernando Nogueira.
Ainda outro: Celeste Amaro, mulher de Álvaro Amaro, secretário de Estado da Agricultura, foi destacada para trabalhar nos serviços sociais da Presidência do Conselho de Ministros, onde era vogal da direção. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, acompanhou Amaro de Coimbra para Lisboa. Ao Independente afirmou que “as coisas são difíceis para qualquer mulher de um membro de Governo. Tem de servir de mãe e de pai. E ninguém que seja profissional quer deixar de trabalhar. Acontece o mesmo com algumas amigas minhas que estão na mesma situação”.
Outro caso apontado pelo Independente era o do casal Paulo Teixeira Pinto e Paula Teixeira da Cruz. Ele tinha sido recentemente nomeado sub-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros. Teixeira da Cruz era assessora de Marques Mendes, o secretário de Estado, chefe direto de Teixeira Pinto. Porém, Teixeira da Cruz configurava um caso com contornos especiais, uma vez que o mérito foi o único critério na sua contratação.
Teixeira da Cruz fora convidada para o cargo em 1987 - antes mesmo de o seu depois ex-marido ter entrado no gabinete. Os dois tinham sido colegas no curso de Direito, onde se destacaram como alunos brilhantes, tendo obtido as melhores notas do seu ano. Nem Teixeira Pinto, nem Teixeira da Cruz eram militantes do partido, tendo sido recrutados unicamente com base nas suas competências técnicas no domínio jurídico. Ambos viriam a aderir ao partido apenas no final do cavaquismo - filiaram-se no dia seguinte à derrota eleitoral de 1995. Ou seja, é justo sublinhar que o epíteto de "girl" claramente não encaixa no perfil de Paula Teixeira da Cruz.
A lista prossegue com Regina Estácio Marques, secretária de Carlos Encarnação e mulher de Pedro Estácio Marques, assessor de Cavaco Silva – ou seja, até no seu gabinete Cavaco tinha colaboradores com familiares diretos na estrutura governamental. Ao Independente, Regina sublinhou que “não foi nenhum tacho para uma senhora doméstica que está em casa sem fazer nada”.
Outra Loureiro, que nada tinha a ver com Dias Loureiro, foi nomeada para o Governo, mais concretamente para a Administração Interna, onde convivia com o seu marido, Carlos Loureiro. Ao Independente, Fátima Loureiro revelou que quando se colocou a possibilidade de o seu marido vir de Coimbra para Lisboa, lhe impôs uma condição: virem os dois para a capital. “Não fazia sentido eu ficar lá sozinha e o meu marido viver aqui também sozinho”, afirmou então. Ganhava 250 contos líquidos como adjunta.
O lote de relações familiares descritas pelo jornal estende-se por muitos outros nomes:
Eduarda Honorato Ferreira, responsável pela coordenação da agenda do Ministro das Finanças, era irmã de José Honorato Ferreira, chefe de gabinete de Cavaco Silva.
Teresa Corte Real Silva Pinto, secretária de Couto dos Santos, era irmã da secretária de Estado da Modernização Administrativa, Isabel Corte Real.
Isabel Ataíde Cordeiro, adjunta da secretária de Estado do Desenvolvimento e Planeamento Regional, Isabel Mota, era casada com Manuel Falcão, chefe de gabinete do secretário de Estado da Cultura. Com um porém: Isabel já estava no gabinete quando o marido ainda não se encontrava no Governo. É, pois, um caso diferente dos demais.
Também Margarida Durão Barroso, mulher do então secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Durão Barroso (que havia de chegar a líder do PSD e a presidente da Comissão Europeia), foi nomeada para a Comissão dos Descobrimentos.
Ao todo, são 14 casos no governo Cavaco Silva - e só no seu gabinete são dois. Mas o ex-primeiro-ministro e ex-presidente da República e o PSD 2023, não se devem recordar deles.
Em declarações ao Polígrafo, Inês Serra Lopes, ex-directora do Independente e autora do artigo, afirma que fez o texto com base em listas internas dos vários ministérios a que teve acesso. "Estavam lá os nomes e os respetivos números de telefone. Desatei a telefonar para todos os apelidos que imaginava que poderiam ter alguma ligação com um membro do Governo. " Algumas das visadas "falaram tranquilamente", outras nem por isso: "Houve quem me tenha desligado o telefone na cara."
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