Não, não deve. O “relatório” não é um documento técnico, é
uma posição negocial. Mais exactamente, é aquilo a que em negociação se chama
uma “proposta escandalosa” — serve apenas para definir uma plataforma que dá
vantagens ridículas a quem inicia a conversa. Qualquer tipo que perceba destas
merdas sabe que a uma “proposta escandalosa” se responde com outra: por
exemplo, diminuir para um décimo o ordenado dos políticos, nacionalizar todo o
sistema bancário, etc. Não existe outra estratégia aceitável até que o
interlocutor aceite partir de uma base honesta para a negociação. Só um
chico-esperto propõe um “documento” daqueles. Só um pobre de espírito aceita
“discutir” um documento daqueles. Há muita gente de direita que sabe isto tão
bem como eu e devia ter vergonha, mas não tem. Pobre do partido, pobre do país
que aceitar o “debate”.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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