Contudo, sejamos, desde já, claros.
A nostalgia não é boa companheira, se não for acompanhada de lucidez.
Sem lucidez a nostalgia é perigosa.
A lucidez é que permite que a memória esteja no sítio que deve ocupar.
A memória nostálgica é perigosa. Significa imobilismo, significa amargura, significa sempre dor.
A lucidez permite-nos assumir a memória voltando a dar-lhe vida como período do nosso passado que é útil e bom recordar.
Vamos então tentar olhar para este quadro, pintado pelo recentemente falecido pintor Cunha Rocha para a família Gaia Braz, com lucidez.
A imagem que desenterrei da minha memória ao olhar para este quadro, já desapareceu há anos.
Foi levada, nos anos 80 do século passado, por culpa e responsabilidade da Junta Autónoma das Estradas, com a conivência do poder autárquico figueirense.
O presidente da câmara da Figueira da Foz, nessa altura, era Joaquim Manuel Barros de Sousa.
Na altura, ainda não existia a freguesia de S. Pedro e a única e perseverante voz que se levantou, lutou e protestou contra esta mal feitoria que foi feita à nossa Terra foi Manuel Luís Pata.
Foi (mais...) uma luta perdida. Mas, agora, passados todos estes anos, como todos temos oportunidade de constatar, Manuel Luís Pata tinha razão.
A variante levou este postal magnifico da nossa Terra.
Ainda bem que o artista, em boa hora, pintou esta obra que ficou para a posteridade...
Era tão bonita a antiga borda do rio da minha Aldeia.
Ficámos sem poder reconstruir aquilo que seria hoje o ex-libris da Aldeia.
A reconstrução nem sempre é possível...
Contudo, por vezes, a única forma de começar de novo é precisamente esta - crescer do nada, já que absolutamente nada se tem a perder.
Numa situação destas ou surge o maior dos desânimos ou a maior das forças.
E Manuel Luís Pata nunca desanimou.
O maior exemplo que Manuel Luís Pata nos deu e continua a dar, apesar dos seus mais de noventa anos e de todas as mazelas e incompreensões que o seu corpo e a sua alma tiveram de suportar ao longo da vida, e que as pessoas pensam que é a teimosia - que é força de vontade dos pobres - para mim, é outra coisa: é sim, do meu ponto de vista, um dos raros exemplos de verdadeira perseverança que conheço...
Foto Bela Coutinho, obtida via Cemar |
Os figueirenses sempre tiveram medo de assumir as suas posições.
Antes do 25 de Abril, por razões óbvias. E, agora, no tempo que nos dizem ser da democracia, continuo a conhecer muito pouca gente que arrisque tornar-se cidadã de corpo inteiro.
E todos sabemos porquê.
Continuam a existir represálias, mais ou menos encapotadas.
Por isso é que, numa sociedade como a figueirense, são tão importantes e decisivos cidadãos como Manuel Luís Pata.
Todos nascemos completos. Contudo, só poucos conseguem viver assim.
A coluna vertebral permite que caminhemos de forma erecta.
Utilizar a coluna para andarmos levantados, fazendo frente a quem não quer que a usemos para esse fim, é um dever de cidadania.
Manuel Luís Pata é um desses raros cidadãos: continua erecto e consequente...