A guerra da Ucrânia, evitável desde antes do início da invasão russa, tem sido a ruína da Europa: arruinamo-nos para comprar armas aos Estados Unidos e depois fornecê-las à Ucrânia (70% delas), vimos a Alemanha, o motor económico europeu, gripar devido ao fim das importações de petróleo e gás russo com a sabotagem dos oleodutos Nordstream (onde pára o inquérito, aberto há mais de ano e meio?), pagámos a guerra com inflação, com energia mais cara, com o fim do mercado importador russo, com dez passos atrás nas políticas de descarbonização, com uma descolagem brutal na competitividade da economia europeia face às dos Estados Unidos, China ou Índia: está tudo no Relatório Draghi, só não se diz porquê. Mas, graças ao alinhamento militante de uma imprensa submissa a acrítica como nunca tinha visto, a própria palavra paz tornou-se símbolo de rendição, quando não de conivência com Putin, e até, numa curiosa inversão de valores, um sinal de falta de solidariedade com os ucranianos que já morreram e os que ainda vão morrer. Um por um, todos os que ousaram tentar ou sugerir um acordo de paz para pôr fim à guerra, foram politicamente exterminados, as suas palavras deturpadas, as suas intenções vilipendiadas: Erdogan, o ex-PM israelita, Xi Jinping, o Papa Francisco, Lula da Silva, o Presidente do México, quem quer que não professasse o credo da guerra para sempre e até à vitória final. Nunca tantos se deixaram arrebanhar tão facilmente durante tanto tempo.
É muito fácil estar sentado aqui, no extremo ocidental da Europa a pregar que a NATO dispare os seus mísseis e não se preocupe com as armas nucleares de Moscovo. Mas se ele estivesse numa aldeia da Ucrânia, à mercê de bombardeamentos diários, a ver a sua casa destruída, os seus familiares e vizinhos mortos e uma vida sem outro futuro pela frente, quem sabe não acabaria a desejar a vitória de Trump nas eleições americanas? “A vida é uma história contada por um idiota”, escreveu Shakespeare.»
Miguel Sousa Tavares, in Expresso.
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