«A PIDE e a polícia batiam nos corpos. A censura moldava as cabeças. E deixou um rasto que ainda hoje é vivo. Por exemplo, a desvalorização da democracia; a desvalorização da política como não sendo uma atividade nobre; a desvalorização dos partidos, como sendo apenas organizações de carreiristas e organizações destinadas a garantir aos seus membros melhores condições. A obsessão pelo consenso, ou seja, no fundo, um penalização da ideia de conflito. Há uma frase do professor Cavaco Silva que traduz muito bem este tipo de mundividência da censura que ainda é vivo hoje. É uma frase em que ele diz o seguinte: "Duas pessoas com a mesma informação chegam às mesmas conclusões". Nada mais falso. Duas pessoas com a mesma informação têm interesses diferentes, têm visões do mundo diferentes, têm ideologias diferentes, têm experiências diferentes. E, portanto, não chegam necessariamente à mesma afirmação. E esta obsessão pelo consenso, pelo entendimento, esta desvalorização daquilo que carateriza a democracia é, sem sombra de dúvida, um rasto da censura.»José Pacheco Pereira, na recente «Grande Entrevista» (RTP3), a propósito da exposição «Proibido por inconveniente - Materiais das Censuras no Arquivo Ephemera», patente até 27 de abril no edifício do Diário de Notícias, em Lisboa.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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