sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

A morte não tem de ser, de todo, um drama: há que ter é consciência que somos seres naturalmente finitos...


"A morte vai nua", uma crónica de António Augusto Menano, via jornal AS BEIRAS

"0s mortos não têm defeitos. 
Após a morte, todos foram boas pessoas. Se for caso disso, antifascistas. 
Não estou a fulanizar, mas os meus oitenta anos viram, e ouviram, muita coisa. 
Como o politicamente correcto nunca foi meu gosto, refiro, talvez repetindo-me, o caso de Cristina Torres, a minha velha amiga e professora. 
Acabou num quarto do Hospital da Misericórdia, para onde a minha mulher e eu a transportámos, depois de a encontrarmos, caída no chão, ensanguentada, em sua casa. 
Passou os últimos tempos quase esquecida. 
Apenas o já falecido Mário Moniz Santos a visitava. 
Morreu, e o seu estatuto de democrata, que serviu a alguns como estandarte, tornou-se mais visível. 
Mas não esqueço os muitos dias em que ia até ao pé dela (era o gerente da hospital e, por razões profissionais, estava lá diariamente) e a encontrei triste e só. 
A velhice cobra-nos muitas vezes o custo de uma vida cheia. 
A morte, os corpos enterrados, ou cremados, nivela-nos a todos. 
Quem não procura afugentar, fechar a morte, seja com remédios, seja refugiando-se na religião? Mas o tempo tem uma “componente” indelével: a memória dos outros. 
Como, felizmente, nem todos temos Alzheimer, de vez em quando, há uns flashes a instigarem-nos a não esquecer. 
A imagem da morte, um esqueleto embrulhado num sudário, com uma foice às costas, a imagem tradicional, provoca-me uma pergunta: a morte vai nua, como todos nós quando nascemos?"

1 comentário:

Rogério Neves disse...

As minhas sinceras felicitações ao meu querido Menano que já não vejo Há algum tempo mas procuro sempre ler os seus escritos. Desta vez tocou-me. Não fui amigo nem discipulo da Dr Cristina Torres que conheci com uma senhora de idade avançada, mas conheço a sua história de luta antifascista e o que sofreu. De facto amigo Menano, morreu pobre e só mas verdade se diga que nesta cidade onde vive muita gente mesquinha houve muitos oportunistas que se quiseram servir da sua imagem, do seu exemplo, contudo, na hora da verdade, Cristina Torres morreu só como tu dizes num quarto de Hospital.