Nasci em 1954.
Tenho bem presente, ainda, a Cova e Gala dos anos 50 e 60 do século passado - o tempo da caridadezinha...
Tenho bem presente, ainda, a Cova e Gala dos anos 50 e 60 do século passado - o tempo da caridadezinha...
Nesse tempo, passaram apenas cerca de 50 anos, apesar de Cova e Gala se encontrarem apenas a três quilómetros da Figueira da Foz, a Cova era um lugar isolado, quase que perdido, onde ninguém se deslocava.
Logo, a realidade contada neste texto do Daniel Oliveira,
que li com atenção, está bem viva na minha memória.
“Nos anos 60, Portugal não era pacato. Era obediente. Como são obedientes
todos os povos que vivem em ditadura. E quem não o era, fugindo à norma
nacional, era vigiado, perseguido, preso, torturado e até morto.
Portugal não era apenas trabalhador. Era escravo. O trabalho infantil era
uma banalidade, os horários, as férias e os fins de semana um luxo
inalcançável. E, no entanto, apesar de se trabalhar para lá da decência humana,
em 1961 a nossa produtividade era, como recorda Raquel
Varela , muitíssimo inferior à de hoje.
Portugal não era poupado. Era miserável. Morria-se cedo, comia-se mal, não
se tinha nem saúde nem educação. Era analfabeto, doente, subdesenvolvido. Quem
sabe como era a vida da esmagadora maioria dos portugueses, sobretudo fora das
grandes cidades, sabe que é um tempo que não pode deixar saudades. As despesas
sociais correspondiam a 4,4% do total do PIB, enquanto no resto da Europa
estavam acima dos 10%. O indicadores de saúde eram de um País do terceiro
mundo. O número de analfabetos era muitas vezes superior ao dos licenciados.
Portugal não era prudente. Era obstinado no seu conservadorismo. Ao ponto
de julgar que poderia continuar a viver como se o mundo estivesse na mesma. O
que o levou, entre tantas outras asneiras que nos deixaram para trás, a desperdiçar
e destruir milhares vidas e a gastar, em média, metade do orçamento de Estado
numa guerra que inevitavelmente acabaria como acabaram todos as lutas pela
independência em África: com uma derrota militar ou política do colonizador.
Depois veio o 25 de Abril. O País "criou autarquias e dinamização
cultural, comprou frigoríficos e televisões, fez planeamento económico, exigiu
escolas e hospitais". Enfim, resume César das Neves, "Portugal
gastou". Sim, de 1973 a 1999 as despesas sociais passaram de 8,7 por cento
para 26,1 por cento e os impostos de 18,6 por cento do PIB para 34 por cento. E
numa e noutra coisa apenas nos aproximámos do resto da Europa. Porque, sem
isso, cinco milhões de portugueses continuariam a não ter cobertura médica, a
mortalidade infantil continuaria na estratosfera e o analfabetismo continuaria
a condenar o País ao atraso. Sim, compraram-se frigoríficos e televisões,
coisas banais em qualquer país europeu. Sim, exigiram-se e construíram-se
escolas e hospitais. Não foi falta de ponderação. Foi o que fez Portugal dar um
dos mais rápidos e extraordinários saltos sociais e económicos na Europa, que
qualquer estrangeiro que tenha cá vindo antes e depois notava com espanto e
admiração. Foi o que nos permitiu consolidar a democracia e entrar na CEE. Foi
das coisas mais ponderadas e inteligentes que fizemos.”
Como estou a ficar velho...
Cá está, possivelmente, a razão de ser de toda a minha actual indignação pelos dias lamacentos que, neste momento, estamos a viver em
Portugal.
“Se é imprudente tudo o que, como povo, exigimos
e fizemos nos últimos 39 anos, talvez seja disso mesmo que estamos a precisar.
Talvez a ideia de que o que conquistámos nunca estaria em risco nos tenha
tornado demasiado pacatos. Ao ponto de aceitarmos, sem uma pinga de indignação,
que nos digam que devíamos ser como "os nossos avós": resignados,
obedientes e pobres.”
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