“Companheiros, se eu não voltar, é porque deram cabo de mim”.Foi com esta frase que João Cenáculo Vilela se despediu dos seus camaradas de presídio, numa das vezes em que foi chamado para mais uma sessão de tortura, nos calabouços da PIDE/DGS.
Mas voltou. E a prova que voltou é que está agora connosco para nos contar que foi preso em cinco ocasiões, nas quais somou nove anos de prisão.
Militante do PCP desde 1933, este familiar de António José de Almeida, o ex-presidente da República, e filho de um militar salazarista, operário vidreiro reformado, lembra-se da primeira vez em que foi transformado em preso político: estava num café em S. João da Madeira, “Café Santos”, a festejar o 1º de Maio com outros colegas de trabalho e, bem entendido, de ideologia.
As prisões sucederam-se por vários motivos, entre 1948 e 1960, ora por denúncia de ser comunista, ora por actividade política descoberta pelo “inimigo”. Conheceu as prisões de Coimbra, de onde é natural, Aljube e Caxias. 33 meses de uma vez, 7 meses de outra, 2 anos, e por aí fora, tudo somado dá 9 anos, e sem qualquer julgamento.
Hás muitos anos que reside na Figueira da Foz.
Com 86 anos de idade, João tem ainda a memória em grande forma, e conta-nos que trabalhou um mês de borla, porque não voltou ao trabalho, depois de dois responsáveis da empresa onde estava o terem convidado para integrar a Legião Portuguesa. Decididamente, uma marca que ele não fumava.
Nem no seu olhar, nem em qualquer expressão do seu rosto, deixa que se note qualquer sintoma de ódio ou de revolta. Nele, que foi um revoltado, mas que, em pleno fascismo, explicou a revolta a um chefe de uma empresa vidreira onde trabalhou:
“Sou eu que sou revoltado ou são vocês que não cumprem a lei?”.Pergunta de um combatente da Liberdade, que a pagou com 9 anos nas prisões fascistas, que ficou sem resposta.
João sorri. Tem a consciência tranquila e está bem com a vida. Como qualquer revolucionário.
Alexandre Campos