"Agora um assunto que pode parecer cozinha caseira. Mas não é. Embora seja um tema nacional é bem o exemplo do que é a desregulação real em que vivemos. O BES foi sujeito a toda a espécie de testes por parte da troika (e a troika é composta pelo FMI, BCE e UE, entidades que deveriam estar munidas de ferramentaria sofisticada para detectar tramóias, números camuflados, manipulação de indicadores, etc) e a conclusão foi que era um banco sólido, resistente a qualquer crise. Para além disso, estando cotado, o banco estava sujeito ao escrutínio da Bolsa, era acompanhado pelo Banco de Portugal e, como qualquer empresa, era sujeito a auditorias.
E, no entanto, tal a qualidade de todos esses mecanismos, foi o que se viu: o total descalabro. O que significa que os actuais mecanismos de regulação e vigilância são tretas, poeira para os olhos da populaça, uma coisa para fazer de conta que sim.
Mas ouvimos alguém a vir para a rua a exigir que poucas vergonhas destas não voltem a acontecer? É o ouves.
E o desfiar a evidências continua.
Esta semana ouvimos o revisor de contas do GES dizer que era bem pago mas que não queria prejudicar a amizade pessoal de um administrador pelo que preferiu não olhar para as contas. Mas alguém, nas redes sociais e arredores, pergunta: então para que servem os revisores de contas? É o perguntas.
E o contabilista da ESI disse que sim, manipulou as contas (embora sob instruções de Ricardo Salgado) e com o conhecimento de José Castella, controller do GES. E, no entanto, nunca ninguém deu por nada nem os próprios administradores e membros da família.
"Reunião entre no BES, entre o CFO da PT SGPS, Eng. Luís Pacheco de Melo, Dr. Carlos Cruz, diretor financeiro da PT SGPS, e o CFO do BES, Dr. Amílcar Morais Pires sobre a continuação das aplicações existentes em papel comercial emitido pela Rio Forte. O Eng. Luís Pacheco de Melo refere que a reunião ocorreu a pedido do Dr. Henrique Granadeiro. O Dr. Amílcar Morais Pires refere que a reunião ocorreu a pedido do Dr. Ricardo Salgado e ainda que este teria afirmado que, no essencial, já estaria tudo acordado sobre o tema entre o Dr. Ricardo Salgado, o Dr. Henrique Granadeiro e o Eng. Zeinal Bava"
Ou seja, meio mundo sabia a bandalheira que por ali havia de encobrimento de prejuízos, transvases de dinheiro entre partes relacionadas, GES e BES, PT e BES, PT e Rioforte, ESI e não sei quê, uma confusão.
Mas sabia mais ou menos - e, como já muitas vezes referi, até nem me choca acreditar que sabiam ao de leve, pela rama. Quem é que dali trabalhou alguma vez a sério? Quais daqueles que enchem a boca para dizer que só nas empresas privadas é que se trabalha a sério e que os portugueses gostam de viver acima das suas possibilidades, é que alguma vez se deteve a trabalhar a sério, a analisar números, a pedir comprovantes, a pedir explicações, a fazer contas? Não errarei muito se disser que, se calhar, nenhum deles. Muitos daqueles que temos ouvido a falar e dão pontapés na gramática como se não houvesse amanhã, provavelmente nem a tabuada sabem. Ganham ordenados monstruosos, prémios obscenos, são condecorados por Cavaco Silva, são honrados com a distinção de doutores honoris causa pelas Universidades (que ajudam a financiar), animam seminários, participam em conferências, participam em roadshows entre a alta finança, almoçam e jantam convidando-se uns aos outros, fazem viagens, participam em torneios de golf, patrocinam causas beneméritas, sponsorizam trinta por uma linha, e são todos a favor da sustentabilidade, da responsabilidade social, têm detalhados códigos de ética, coisas assim, mas, trabalhar, trabalhar, para isso não têm tempo.
Nada disto seria grave por aí além se, quando as coisas se descontrolaram, tudo não tivesse sido vertiginosamente arrastado para um buraco negro. As maiores empresas do País viram-se reduzidas a cinzas. O GES é um grupo fantasma, o banco foi espoliado e os accionistas viram-se roubados, e vamos ver a que mãos vai parar. A PT, que era uma das empresas bandeira de Portugal, está quase destruída, exposta aos abutres. Milhares de empregos se perdem nesta voragem, muita da autonomia autonómica desaparece, e a honradez do tão propalado empresariado português está na lama.
E tudo, uma vez mais, se passou à vista desarmada, perante os olhos cegos dos portugueses. Mas os portugueses nunca vêem nada, nunca desconfiam de nada, aceitam todas as mentiras, acatam todas as ordens, vergam-se a todas as humilhações. No dia em que acontece alguma desgraça agitam-se, as redes sociais animam-se, repetem-se uns aos outros, espantam-se, revoltam-se, solidarizam-se mas, dois dias depois já se esqueceram de tudo e já estão prontos para se inflamarem com a próxima causa e, quando não é isso, é RIPs por todo o lado de cada vez que alguém morre, seja escritor de que nunca ouviram falar, cantor estrangeiro, qualquer um.
E isto são os portugueses mais evoluídos porque a larga maioria quer é saber da passarinha da Cátia Palhinha, do ódio entre o Carrilho e a Bárbara Guimarães..."