"O PSD e o movimento independente FAP (com maioria na câmara municipal) reclamam, ao PS, partido que detém a maioria na Assembleia Municipal (AM) da Figueira da Foz, mais tempo para as intervenções no período antes da ordem do dia. Os socialistas, no entanto, não estão disponíveis para alterar as regras a meio do jogo, aprovadas, por larga maioria, no início do mandato.
Na última sessão do órgão autárquico, o deputado municipal social-democrata Teotónio Cavaco exortou os socialistas a alterarem o regimento. Para acabar com “a ditadura do tempo”, expressão recorrente do líder da bancada do PSD, Manuel Rascão Marques."
Nota de rodapé.
A minha opinião sobre o funciamento das Assembleias Municipais ficou plasmada numa postagem Outra Margem com o título: Presidentes de Junta ao mesmo tempo membros da Assembleia Municipal: um charmoso "exotismo democrático"...
"Os membros dos órgãos das autarquias locais são titulares de um único mandato, nos termos do fixado no n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro.
O mandato de presidente da junta de freguesia cabe, diretamente ao cidadão que encabeçar a lista mais votada na eleição para a assembleia de freguesia (cf. n.º 1 do artigo 24.º da Lei n.º 169/99).
Nos termos do n.º 1 do artigo 42.º da Lei n.º 169/99 os presidentes da junta de freguesia integram a assembleia municipal respetiva.
Assim, os presidentes de junta de freguesia integram o órgão deliberativo do município por inerência das funções que exercem no âmbito do seu mandato autárquico como presidente do órgão executivo da freguesia."
O presidente e restante executivo têm também assento na assembleia de freguesia, mas sem direito a voto.
"A junta faz-se representar, obrigatoriamente, nas sessões da assembleia de freguesia pelo presidente que pode intervir nos debates, sem direito a voto.
Em caso de justo impedimento, o presidente da junta pode fazer-se substituir pelo seu substituto legal.
Os vogais da junta de freguesia devem assistir às sessões da assembleia de freguesia, sendo-lhes facultado intervir nos debates, sem direito a voto, a solicitação do plenário ou com a anuência do presidente da junta, ou do seu substituto."
Estamos numa democracia representativa. A meu ver, "só os eleitos pelo povo deveriam ocupar cargos com direito a voto em órgãos com sufrágio direto".
Li um estudo que considera «o estabelecimento de um regime de “incompatibilidades”, no âmbito da administração autárquica, acolhe as diretrizes constitucionais plasmadas nos artigos 266.º e 269.º da Constituição e tem como finalidade última garantir a independência e a imparcialidade da atuação dos titulares dos órgãos autárquicos, mas também assegurar uma “adequada dedicação” destes aos respetivos cargos.
Para se aferir se uma determinada atividade ou um certo cargo ou função é ou não incompatível com outra(o), é necessário verificar se existe previsão legal nesse sentido, ou seja, é necessário que essa incompatibilidade se encontre expressamente prevista na lei
De facto, a incompatibilidade traduz-se na proibição legalmente estabelecida de exercício em simultâneo de determinadas funções ou cargos, pelo facto de o legislador entender que a acumulação dessas funções ou cargos pode ameaçar a prossecução do interesse público, seja qual for a pessoa que estiver em causa e independentemente de esta ter ou não algum tipo de interesse numa determinada decisão».
O mesmo estudo, sublinha que «os “impedimentos”, corolário do princípio da imparcialidade, verificam-se quando determinadas causas objetivas, expressamente previstas na lei se interpõem entre o titular de órgão da Administração Pública e a matéria objeto ou a pessoa destinatária da sua intervenção num concreto procedimento, assim se patenteando/pressupondo, “ex lege” (daí que o impedimento opere automaticamente), a existência de um real ou potencial conflito de interesses e inibindo, por isso, a atuação do titular do órgão, por essa via se protegendo/garantindo a imparcialidade, do mesmo passo que outros princípios fundamentais.»
A propósito desta distinção no Parecer n.º 25/2019 da Procuradoria-Geral da República publicado no DR, 2.ª série, de 20 de setembro, esclarece-se que «(…) importa evocar os fins que o legislador visou atingir, com a consagração legal desses impedimentos, o que vale por dizer, a teleologia da norma em debate.
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO DE AMORIM traçam as fronteiras entre as figuras da incompatibilidade e do impedimento, enfatizando, para tanto, que “o que está em causa na incompatibilidade é, pois, a garantia da imparcialidade da atuação administrativa como valor (puramente) abstrato: é a própria lei que exclui a possibilidade de acumulação — por suspeitar, em abstrato, dos desvios em favor de outras atividades privadas ou públicas dos fins por que se deve pautar o exercício de certas atividades públicas, independentemente da pessoa que se trate e do interesse que ela tenha ou deixe de ter em qualquer decisão. A incompatibilidade não tem, pois, que ver com casos concretos, com procedimentos determinados. São também garantias de imparcialidade que estão em causa na consagração da figura (e dos casos) de impedimentos; porém, nestes, o que se passa é que o titular do órgão fica proibido de intervir em casos concretos e definidos, o que não se deve a razões abstratas de incompatibilidade entre cargos, mas à pessoa do titular do órgão e ao interesse que ele tem naquela decisão — e exatamente por só respeitar ao caso concreto, o impedimento pode qualificar-se como um incidente do procedimento (…)”.»
Deixo uma pergunta: por exemplo, quando, um presidente de junta vota um orçamento camarário, como membro da Assembleia Municipal por inerência, não estará a entrar no campo do conflito de interesses, impedimentos e incompatibilidades?
Eu sei que existe a Lei.
Contudo, Lei é a Lei. A realidade é a realidade. Como diria um Amigo, estamos perante um aberrante, mas charmoso "exotismo democrático".