"A informação falsa está muito longe de circular apenas nas redes sociais. A Fundação Manuel dos Santos, Pingo Doce para os amigos, tem dinheiro para pôla a circular em livro. O último, coordenado pelo neoliberal Pedro Brinca, apresenta para lá umas contas feitas à maneira, sem base empírica rigorosamente nenhuma, para concluir que Portugal perde rios de dinheiro em investimento estrangeiro por não ter acompanhado os congéneres europeus na redução do IRC.
Quem os leia e os leve a sério ficará com a ideia de que existem exemplos de estudos que consigam comprovar a relação que propõem, entre reduções de impostos sobre lucros e crescimento económico. Não existe um único. A fantasia que desenvolvem faz ainda de conta que os investidores internacionais não sabem que somos o 10º país da Europa com salários mais baixos e que o que possam pagar em IRC, que a maioria nunca chega a pagar, é largamente compensado com o que não pagam em salários, como acontece nos países europeus onde quem trabalha recebe salários de gente.
Finalmente, e haveria bastante mais a dizer sobre tanto veneno ideológico em forma de livro, sugerem que a redução de IRC às empresas poria os nossos empresários a pagar melhores salários. Está-se mesmo a ver que ficariam imediatamente todos generosíssimos e que Portugal deixaria de ser o país da Europa com a maior percentagem de lucros distribuída, não em salários, em dividendos sobre lucros entre os seus accionistas, desinvestimento puro e duro. Eles é que sabem. A receita proposta é muito simples. Os lucros têm que aumentar o mais possível a sua fatia no bolo da redistribuição da riqueza gerada, seja através do que se recusam a pagar em salário a quem trabalha para a sua fortuna, seja através de reduções das contribuições dos empresários para a sociedade que os enriquece.
Os salários têm que ficar à espera que uma produtividade muito estranha, que nada tem que ver com lucros que aumentam sem a produtividade a -impulsioná-los, cresça o suficiente para que os nossos empresários não se arruínem de vez, tal como aconteceu na Argentina, a fazer fé no que se lê numa entrevista de um académico argentino da mesma escola a uma publicação online.
Segundo o "especialista", assim vinha devidamente apresentado, o problema da Argentina está nos salários, que aponta serem demasiado elevados apesar de serem bastante mais miseráveis do que os nossos, por terem crescido acima da mesma produtividade que nada tem que ver com crescimento de lucros que sempre aumentaram mais do que os salários, nem com o crescimento económico da Nação, comprometendo de forma ainda mais acentuada o pagamento de uma dívida que, ainda mais do que cá, necessitaria de salários mais elevados que gerassem uma receita fiscal em linha com a sustentabilidade do país. Os salários e os direitos laborais e sociais insipientes, eles chamam-lhes "privilégios", é que têm que ser pulverizados para libertar os lucros argentinos e a amada Pátria desse fardo que os impede de crescer.
Acredite nesta gente quem se convença que a política é como o bingo. Perdem todos menos um, o vencedor, que cada um é livre de acreditar com todas as suas forças que será o próprio. Como reza aquela frase bonita repetida por tanta gente “positiva” e “resiliente “, “se não acreditares em ti, ninguém acreditará”. Siga pois para bingo, como fizeram os argentinos, com o resultado trágico de todos conhecido. O combate às desigualdades, a diferença entre esquerda e direita, o direito a serviços públicos universais e de qualidade e a luta de classes são coisas do passado. Estão completamente fora de moda. Uma redistribuição mais justa da riqueza produzida é populismo socialista. O que está a dar é ficar à espera que a produtividade aumente na condição de sem abrigo ou de campista em espaço urbano, não ganhar o suficiente para fazer uma refeição de carne ou peixe de dois em dois dias, aterrar no caos de uma urgência hospitalar e esperar mais de 24 horas para ser atendido e culpar os imigrantes de tudo o que apeteça."
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