"No dia em que Lisboa voltou a
registar um número
alarmante de infecções de
casos de covid-19, a
Iniciativa Liberal decidiu
organizar um arraial em homenagem a
Santo António sob a capa de evento
político.
Percebe-se que um partido que
sempre mostrou relutância em relação
aos confinamentos quisesse aproveitar
a festa popular para tornar pública a
sua defesa de um regresso ainda mais
rápido à normalidade. Mas, em vez de
uma mensagem política, o que sobrou
do arraial liberal foi a incoerência do
partido, a sua incapacidade de cumprir
as regras sanitárias e a promoção da
política da boçalidade e do insulto. Mais
do que uma manifestação liberal, o
arraial foi um festival de libertinagem
que desvaloriza a credibilidade da IL e
dos seus líderes.
Este evento de pertinência discutível
começa antes do Santo António.
Começa na Festa do Avante! de 2020,
quando a IL questionava a suposta
condescendência das autoridades para
com a concentração de pessoas no
evento, quando se proibia que “uma
pessoa tomasse banho de mar” ou que
houvesse “mais de cinco pessoas num
areal”.
Na altura, quando havia
“provavelmente centenas de eventos
culturais cancelados ou profundamente
alterados”, era legítimo perguntar,
como o fez a IL, se “os partidos políticos
têm nesta matéria prerrogativas que
outras instituições ou cidadãos não
têm”.
Mas no dia em que os lisboetas
cumpriram com as determinações que
impediam até o uso de fogareiros na
rua, a IL decidiu esquecer esses
princípios. Primeiro, desrespeitou as
recomendações da DGS e instalou 20
barracas; depois, não verificou
distâncias de segurança; como
corolário, tornou o arraial um acto de
desobediência deliberado.
Enquanto a
festa do PCP que tanto criticaram se
revelou um exemplo de organização e
de cumprimento das regras, o arraial
liberal deu origem a um festim que só
foi diferente da festa do Sporting na
escala. Neste capítulo, as setas
disparadas para figuras com rostos de
ministros ou das autoridades sanitárias
não passaram de um lamentável
episódio de arrogância, intolerância e
mau gosto. Tudo muito pouco liberal,
portanto.
Se a Festa do Avante! punha em causa
“os sacrifícios dos últimos meses”,
como dizia então João Cotrim
Figueiredo, não se percebe como o
arraial não fez exactamente o mesmo
agora. E não se percebendo, o que
sobra da festa é a incoerência e a
irresponsabilidade.
Fazer política
diferente, com irreverência e
criatividade, como a IL já fez, não
dispensa o empenho no interesse geral,
a finalidade última dos partidos, nem o
respeito pelas regras sanitárias. Dar o
dito por não dito sobre grandes eventos
num momento preocupante em Lisboa,
desobedecer à DGS, ser incapaz de gerir
a multidão ou alinhar com a graçola das
setas está muito longe dessa finalidade."
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