A memória trazida até mim, por esta foto sacada daqui, trouxe um tempo da minha vida, nunca esquecido, sempre lembrado, não descansado, mas feliz.
Levou-me a lugares, a vozes, a rostos e almas e vivências da minha infância.
Levou-me a recuar a um olhar de passos idos, a uma viagem já longínqua, mas presente, qual força espiritual, um fado que existe em todos nós, um chamamento velado - no fundo o reencontro com o nosso passado e a nossa memória.
É uma fotografia admirável, que me fez recuar décadas e me levou até aos anos 60 do século passado, numa visita ao universo complexo e emaranhado da minha vida e da vida da minha família - memória feliz e gratificante a nível familiar, mas ferida pelas cicatrizes da memória de tempos difíceis e da vida dura na Aldeia onde nasci e de que continuo apaixonado.
Esta fotografia tem pessoas, figuras, rostos e olhares, onde paira a ternura e ressaltam fragmentos de beleza avassaladora e sorrisos francos e transparentes apesar das carências. O pormenor dos pés descalços, não é folclore, não é típico, não é turístico - mostra a realidade de não haver dinheiro para calçado.
É um registo impressionante de olhares de gente de trabalho, mais do que duro, por vezes mesmo penoso, sem horário - o dia começava às 5 da manhã - e mostra uma sensibilidade atenta ao pormenor de uma realidade e de uma época da história da minha Aldeia e do meu País.
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
2 comentários:
A nossa gente... todas elas lindas.
Galeota
Esta foto é um desarrumar da Memória…
Páscoa também é tempo de memória! Memória visual, auditiva, visual e gastronómica. Os excelentes resultados que saiam da cozinha, laboriosamente cozinhados pela minha mãe, avó e tias, eram um regalo!
Memória dos meus avós e pais que, arduamente e obstinadamente, educaram três netos e filhos. Todos ajudávamos no campo, nos trabalhos caseiros, no que fosse preciso… Aprendemos muito com a sabedoria do avô e a paciência da avó. Eu e os meus irmãos somos ricos de uma herança de valores e honradez!
Memórias de agricultores e pequeno comerciante que conseguiram dar educação e futuro a três filhos; memórias de amigos de escola e de tempos muito difíceis. Memórias dos meus irmãos, envolvidos na luta anti-regime, e das fintas para guardar os panfletos a distribuir (em Coimbra). Memórias dos meus primos que tiveram que emigrar para França e Alemanha e memórias dos nossos fraternos reencontros, cá e lá.
E fica “uma raiva crescer-te nos dentes”, como diz o Sérgio Godinho, quando ouvimos, lemos e vemos esta “gente” vir falar de lavoura, da “santa” Isabel Jonet ou do “ainda está para nascer alguém mais honrado do que eu”, etc etc…
O glorioso 25 continua a ter muitos inimigos e “inadaptados”. Cá estaremos seja com o voto, seja na rua ou com a tranca para o defender.
E esta foto serve mesmo para desarrumar a minha memória… E ainda ontem, fui ao aeroporto, buscar os meus dois filhos emigrados.
Memória e Identidade que lhes procurei transmitir, numa dialéctica que se conjuga, se alimenta mutuamente, se apoia uma na outra para produzir uma trajectória de vida, uma história e uma memória.
“Aceito perfeitamente o fim, sobretudo quando o fim nos deixa memórias muito boas e porque o fim é o fim. Não há mais nada a fazer. Por isso, sigo sempre em frente. O futuro é sempre em frente.” – Fernando Fernandes.
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