Considerando
que no fulcro do desenvolvimento sustentável estão as comunidades
locais e sua relação harmoniosa com o seu espaço local,
constatamos que se nas comunidades rurais, por hoje existir
saneamento básico nas mesmas, resulta polémica e de nenhuma
compreensão a quase impossibilidade de os filhos construírem as
suas casas nas localidades onde nasceram e onde viveram com seus
pais, e onde têm terrenos, empurrando-os para as freguesias urbanas,
repletas de construção vazia, e contribuindo para a desertificação
das rurais, já de si envelhecidas e desmotivadas nos projectos
agrícolas; por outro lado, temos que considerar, na civitas, stricto
sensu, atento os graves erros urbanísticos do passado com a
edificação urbana, a necessidade de preservação de espaços
verdes para fruição pública, de relevante importância, como é o
caso do tão falado e vetusto “Corredor Verde”, que vai desde o
Jardim, junto à foz do Mondego, seguindo pelas Abadias até ao
Parque de Campismo e deste à Serra da Boa Viagem.
Lembro que
aquando do terrível incêndio ocorrido no Verão do longínquo ano
de 1993, em que ardeu a Serra da Boa Viagem, deixando uma mancha
cinzenta no chão, onde subsistiam em pé medonhos espectros negros
do que foram árvores, surgiu em defesa da sua reflorestação o
Movimento Serra Verde, de que tenho o grato prazer de ter sido um dos
seus fundadores. Tivemos, conjuntamente com toda a comunidade local,
uma actuação relevante até em pedagogia, com milhares de crianças,
das diversas escolas do nosso concelho, a deslocarem-se à Serra e a
participar, durante vários dias, na sua reflorestação; e o mais
gratificante foi ver depois esses alunos (hoje mulheres e homens
feitos e com memória!) a voltar lá aos fins-de-semana com os pais,
levando água e regando, num compromisso tocante com a Natureza. Hoje
está lá uma enorme mancha de pinheiros e uma pedra comemorativa do
evento.
Em 1997 voltámos para defender o espaço do Parque de
Campismo e Horto Municipal que o Executivo de então pretendia
alienar para construção, o que foi evitado pela oposição enérgica
de milhares de munícipes numa petição então apresentada e que
teve também por grande impulsionador o meu amigo e Colega Dr. Luís
Pena, entre outros, Colegas e amigos que também a assinaram.
Lembro-me que na altura surgiu a candidatura de Santana Lopes que,
colando-se a esse movimento de oposição, defendeu publicamente a
manutenção daquela área; porém, depois das eleições ganhas,
veio defender, através da sua Vereadora Rosário Águas, que não
fazia sentido um parque de campismo no meio da cidade, demonstrando
interesse em o alienar… adivinhámos que para construção! Na
altura era o vibrante “Linha do Oeste” o nosso “combóio” que
nos levava na pulsante viagem contestatária, e onde publiquei, em
resposta, um extenso artigo de opinião dirigido ao Chefe do
Executivo lembrando-o que o que estava em causa não era a existência
ou não de um parque de campismo no meio da cidade (o qual poderia
estar noutro lado qualquer), mas a preservação daquele espaço
arbóreo intacto para fruição pública, como Parque da Cidade ou
outra valência ecológica. A “coisa” ficou por ali, mas a
tentativa ficou registada.
Em 2007, face à possibilidade de
aptidão construtiva, nova petição, também com milhares de
assinaturas, desta feita a requerer, na revisão do PDM, a
preservação de todo o espaço envolvente do parque de campismo: o
próprio parque, o prédio confinante a Norte/Nascente, e o Horto
Municipal.
Hoje, 2017, tudo se repete. Conclui-se que os anos
terminados em 7, e num ciclo de 10 em 10 anos, são funestos para o
espaço do parque de campismo e áreas contíguas.
Hoje temos a
singular, insólita e paradoxal particularidade de termos signatários
dessas petições no actual Executivo que, entretanto, entendem que
as circunstâncias se alteraram e se justifica o sacrifício de “uma
dentada” no Horto, pois que é essencial que assim seja em prol do
desenvolvimento económico do nosso concelho. E explicam: O Jumbo tem
necessidade de se alargar, não tem para onde, e quer trazer aquilo
que hoje muito avançadamente chamam de “lojas âncora”. Ou seja,
lojas de marcas mundialmente famosas que, na óptica do Executivo e
de quem o convenceu da ideia, atraem à nossa cidade clientes de
outras bandas e fixam (daí o nome âncora) os de cá, que, deste
modo, não vão fazer compras a outros lugares fora do concelho. Isto
cria riqueza na economia local e estima-se que se crie, por
consequência directa, cerca de 2.000 postos de trabalho.
São
estes os argumentos, grosso modo, para o sacrifício do perseguido
Horto Municipal. Perseguido e sacrificado, pois aquando da construção
do Jumbo já havia levada uma “dentadinha”. Pelo que, com mais
esta dentada que pretendem dar, estamos bem em crer que o pobre Horto
de perseguido e sacrificado passará, definitivamente, a finado. Daí
a dar-se uma dentadinha no parque de campismo é coisa de tempo, não
importando que Executivo, e bem se vê onde tudo irá parar.
Eu
compreendo o argumento do Executivo, e todos nós o percebemos e,
secretamente e num primeiro impulso, até somos levados a concordar.
É que isto de 2.000 empregos, numa terra onde há míngua de
trabalho e nesta crise que atravessamos, a uma dentadinha, ou mesmo
uma dentada mais saciante, nós, olhando cumplicemente para o lado,
nem sentíamos… e apenas lhe desejávamos ao Horto uma morte
serena, indolor.
O problema é que o argumento não é
sério!
Ninguém acredita que se criem 2.000 postos de trabalho.
Isso é uma falácia, uma impossibilidade lógica. Se fosse a Mega
Tesla a instalar-se no Horto ainda vá que não vá, mas não o
Jumbo, pois se com aquela superfície toda já em funcionamento nem
de perto nem de longe os emprega, como se daria esse milagre no
Horto? Onde estão os estudos que o comprovam?
Se calhar nem 200,
nem 100, muito provavelmente.
Quando eu digo que o argumento não
é sério vale dizer que o argumento não é válido. Mas isto não
implica, de modo nenhum, que o Executivo que o apresenta não seja
sério. É sério, com certeza. Mas o Executivo não tem experiência
empresarial; não domina as rebuscadas técnicas do mercado da
construção civil, do interesse imobiliário das grandes
superfícies. O Executivo está, e bem, mais preocupado em gerir, da
melhor forma possível, a coisa pública. O Executivo, naturalmente,
quer o bem do seu concelho. O Executivo, qualquer Executivo, quereria
um investimento para o seu concelho que gerasse 2.000 empregos. Isso
é o sonho de qualquer Executivo camarário. Pelo que compreendo que,
numa abordagem, ao incutirem no Executivo a possibilidade de, com um
investimento desses, se criarem 2.000 empregos, este, de boa-fé, se
entusiasmasse a tal ponto que até antigos e férreos defensores do
Horto, ora Vereadores aqui presentes, agora entendam que uma
“dentada” a mais ou a menos pouca diferença fará, que diacho.
Venham os empregos! E, já no reino da semântica, das palavras que
permitem defender com toda a elegância e convicção uma coisa e o
seu contrário, numa aperaltada argumentária desculpante, já dirão
que, afinal, não passa de um horto, meio enfezado até, e nem há já
jardineiros municipais para dele cuidar, e tem lá uns armazéns
feios e um canil degradado, uma coisa pavorosa. Um bem de Deus que
desaparecesse, que assim não definhava tanto e ia num sopro. Leve-o
Deus.
Todos nós compreendemos o legítimo entusiasmo do Executivo
e, portanto, também compreendemos que, levado por aquele equívoco,
lhe queira dar capacidade construtiva nesta revisão do PDM. Mas, não
se deixe o Executivo arrastar nesta ilusão dos 2.000 empregos que
mais se tornou numa questão de fé, de ingénua crença, do que
propriamente algo objectivo e que lhe toldou o espírito. Que faça
uma pausa para reflexão, uma fria pausa, para que arrefeça no
entusiasmo, e peça (nem era preciso tanto!) a um economista da
câmara que faça as contas dos empregos, sob pena de continuarmos a
olhar para o Executivo com a mesma postura com que se olhou para o
célebre e embaraçante momento em que o Eng. António Guterres,
atrapalhadinho com os cálculos que o teimavam em afligir
recusando-se a vir à luz do dia, pois por vezes os números são
mais matreiros que as palavras, soltou a aliviante e gaguejante
expressão que ficou para a história: “Bem... é…é… é só
fazer as contas.”
Melhor fora que subisse o Jumbo em altura,
sendo que mais um piso em nada destoava e muito menos comparando com
o que destoaria o acimentar do Horto. E se o argumento for o do PDM o
não permitir, então melhor fora que se propusesse a sua alteração
nesse particular. Assim tudo se resolvia a contento de todos.