Via Expresso
«Há três meses escrevi nesta mesmo coluna um artigo a que dei o título da “ignomínia de Israel na Palestina”. Nesse artigo exprimi a indignação com a impunidade com que o regime de apartheid vigente em Israel espezinha todos os direitos do povo da Palestina, privado, não apenas do Estado a que tem direito, mas do mais elementar direito à existência.
Todos os dias, militares de Israel e colonos fanatizados controlam, humilham e assassinam fria e impunemente, homens, mulheres e crianças da Palestina, na sua própria terra. A ocupação da Palestina pelo Estado de Israel, desde 1948, tem sido um desfile de expulsões forçadas, de anexações militares, de ocupações ilegais, de prisões em massa, de assassinatos seletivos ou indiscriminados, de incumprimento arrogante de todas as resoluções das Nações Unidas que reconhecem os direitos do povo palestino.
Os colonatos israelitas que têm sido instalados nos últimos anos em territórios palestinos constituem uma das mais selváticas formas de colonização de que há memória recente. Em territórios internacionalmente reconhecidos como devendo estar sob autoridade palestina na Cisjordânia, o estado de Israel procede à demolição forçada das casas dos palestinos, destrói as suas culturas e expulsa-os para instalar colonos fanatizados e armados que semeiam o terror entre as populações palestinas. Apesar da condenação retórica da chamada “comunidade internacional” os colonatos somam e seguem.
A ocupação militar israelita tornou a Palestina uma prisão a céu aberto. Cercada, privada de recursos, de empregos e de direitos, a população da Cisjordânia e da Faixa de Gaza vive uma das maiores tragédias dos nossos tempos, e apesar do reconhecimento retórico do caráter corrupto, autoritário, racista e belicista do regime de Benjamin Netanyahu e da inclusão no seu Governo dos partidos mais extremistas de Israel, nada disso perturba as boas almas “ocidentais”. Os sionistas podem ocupar territórios, violar como querem o direito internacional, expulsar e assassinar à vontade as populações, que nada disso põe em causa o apoio inquebrantável do chamado ocidente ao governo de Israel.
O que está a ocorrer por estes dias em Israel e na Palestina é mais um triste capítulo desta tragédia. Condenar os atos de violência praticados pelo Hamas e esquecer a violência quotidiana exercida diariamente por Israel contra a Faixa de Gaza é de um relativismo moral inaceitável.
Não vale a pena referir as responsabilidades de Israel na criação do Hamas, enquanto elemento útil de divisão do povo da Palestina e de enfraquecimento da Autoridade Palestina. Neste aspeto, o Hamas, tal como os talibãs e o estado islâmico, é criatura que se virou contra o criador. Não é isso que me interessa.
Não nutro a mínima simpatia em relação ao Hamas. Todavia, só alguém muito distraído poderia pensar que a abominável violência que se abate diariamente contra o povo dos territórios palestinos ocupados por Israel não poderia, mais dia menos dia, desabar numa reação violenta, quase suicida, de quem já nada tem a perder.
O que se impunha da parte da tal “comunidade internacional” seria uma ação decidida no sentido da exigência de cumprimento das resoluções das Nações Unidas, do reconhecimento dos dois Estados (Israel e Palestina) com fronteiras seguras e da adoção de medidas de mediação que garantissem o fim das hostilidades e trabalhassem para que esta tragédia pudesse ter um fim.
Ao invés, o que vemos dos Governos dos países da NATO e da UE é o apoio incondicional a Israel para que a tragédia prossiga. Por isso, o chamado “ocidente”, está cada vez mais de costas voltadas para o resto do Mundo.»