Esta foto é de 3 de Junho de 2011.
Mostra o actor Ruy de Carvalho, um Social Democrata, «porque acredita nesse tipo de formatação política», a cumprimentar efusivamente o presidente do PSD, Passos
Coelho, durante uma acção de campanha do partido, em Lisboa.
Agora, escreveu-lhe uma carta que merece ser lida na íntegra.
Não carece de explicação… Quem necessitar de uma, não iria
percebê-la.
Apenas, tal como Ruy de Carvalho, embora eu não tenha tido culpa, pois não votei no senhor Passos Coelho, tenho pena que tenhamos tido tão pouca sorte nas escolhas que fez o Povo
Português.
"Senhores Ministros:
Tenho 86 anos, e modéstia à parte, sempre honrei o meu país
pela forma como o representei em todos os palcos, portugueses e estrangeiros,
sem pedir nada em troca senão respeito, consideração, abertura – sobretudo aos
novos talentos -, e seriedade na forma como o Estado encara o meu papel como
cidadão e como artista.
Vivi a guerra de 36/40 com o mesmo cinto com que todos os
portugueses apertaram as ilhargas. Sofri a mordaça de um regime que durante 48
anos reprimiu tudo o que era cultura e liberdade de um povo para o qual sempre
tive o maior orgulho em trabalhar. Sofri como todos, os condicionamentos da
descolonização. Vivi o 25 de Abril com uma esperança renovada, e alegrei-me
pela conquista do voto, como se isso fosse um epítome libertador.
Subi aos palcos centenas, senão milhares de vezes, da forma
que melhor sei, porque para tal muito trabalhei.
Continuei a votar, a despeito das mentiras que os políticos
utilizaram para me afastar do Teatro Nacional. Contudo, voltei a esse teatro
pelo respeito que o meu público me merece, muito embora já coxo pelo desencanto
das políticas culturais de todos os partidos, sem excepção, porque todos vós
sois cúmplices da acrescida miséria com que se tem pintado o panorama cultural
português.
Hoje, para o Fisco, deixei de ser Actor…e comigo, todos os
meus colegas Actores e restantes Artistas destes país - colegas que muito prezo
e gostava de poder defender.
Tudo isto ao fim de setenta anos de carreira! É fascinante.
Francamente, não sei para que servem as comendas, as
medalhas e as Ordens, que de vez em quando me penduram ao peito?
Tenho 86 anos, volto a dizer, para que ninguém esqueça o meu
direito a não ser incomodado pela raiva miudinha de um Ministério das Finanças,
que insiste em afirmar, perante o silêncio do Primeiro-Ministro e os olhos
baixos do Presidente da República, de que eu não sou actor, que não tenho
direito aos benefícios fiscais, que estão consagrados na lei, e que o meu
trabalho não pode ser considerado como propriedade intelectual.
Tenho pena de ter chegado a esta idade para assistir
angustiado à rapina com que o fisco está a executar o músculo da cultura
portuguesa. Estamos a reduzir tudo a zero... a zeros, dando cobertura a uma
gigantesca transferência dos rendimentos de quem nada tem para os que têm cada
vez mais.
É lamentável e vergonhoso que não haja um único político com
honestidade suficiente para se demarcar desta estúpida cumplicidade entre a
incompetência e a maldade de quem foi eleito com toda a boa vontade, para
conscientemente delapidar a esperança e o arbítrio de quem, afinal de contas,
já nem nas anedotas é o verdadeiro dono de Portugal: nós todos!
É infame que o Direito e a Jurisprudência Comunitárias
sirvam só para sustentar pontualmente as mentiras e os joguinhos de poder dos
responsáveis governamentais, cujo curriculum, até hoje, tem manifestamente dado
pouca relevância ao contexto da evolução sociocultural do nosso povo. A
cegueira dos senhores do poder afasta-me do voto, da confiança política, e mais
grave ainda, da vontade de conviver com quem não me respeita e tem de mim a
imagem de mais um velho, de alguém que se pode abusiva e irresponsavelmente
tirar direitos e aumentar deveres.
É lamentável que o senhor Ministro das Finanças, não saiba o
que são Direitos Conexos, e não queiram entender que um actor é sempre autor
das suas interpretações – com diretos conexos, e que um intérprete e/ou
executante não rege a vida dos outros por normas de Exel ou por ordens
“superiores”, nem se esconde atrás de discursos catitas ou tiradas
eleitoralistas para justificar o injustificável, institucionalizando o roubo, a
falta de respeito como prática dos governos, de todos os governos, que, ao
invés de procurarem a cumplicidade dos cidadãos, se servem da frieza tributária
para fragilizar as esperanças e a honestidade de quem trabalha, de quem
verdadeiramente trabalha.
Acima de tudo, Senhores Ministros, o que mais me agride, nem
é o facto dos senhores prometerem resolver a coisa, e nada fazer, porque isso
já é característica dos governos: o anunciar medidas e depois voltar atrás.
Também não é o facto de pôr em dúvida a minha honestidade intelectual, embora
isso me magoe de sobremaneira. É sobretudo o nojo pela forma como os seus
serviços se dirigem aos contribuintes, tratando-nos como criminosos, ou
potenciais delinquentes, sem olharem para trás, com uma arrogância autista que
os leva a não verem que há um tempo para tudo, particularmente para serem
educados com quem gera riqueza neste país, e naquilo que mais me toca em
especial, que já é tempo de serem respeitadores da importância dos artistas, e
que devem sê-lo sem medos e invejas desta nossa capacidade de combinar verdade
cénica com artifício, que é no fundo esse nosso dom de criar, de ser
co-autores, na forma, dos textos que representamos.
Permitam-me do alto dos meus 86 anos deixar-lhes um
conselho: aproveitem e aprendam rapidamente, porque não tem muito tempo já.
Aprendam que quando um povo se sacrifica pelo seu país, essa gente, é digna do
maior respeito... porque quem não consegue respeitar, jamais será merecedor de
respeito!