segunda-feira, 24 de março de 2025

Tanques em vez de carros

João Oliveira

"A maior em­presa de ar­ma­mento da Ale­manha, a Rhein­me­tall, anun­ciou um plano de re­con­versão in­dus­trial no sen­tido de re­di­re­ci­onar para o sector do ar­ma­mento a pro­dução que ac­tu­al­mente des­tina ao sector au­to­móvel. A isso acres­centou ainda a in­tenção de com­prar fá­bricas de au­to­mó­veis para lhes dar o mesmo des­tino.

Da pro­posta não constam pre­o­cu­pa­ções com os tra­ba­lha­dores nem ga­ran­tias dos seus di­reitos, de­sig­na­da­mente quanto à ma­nu­tenção de postos de tra­balho, sa­lá­rios, car­reiras ou con­di­ções de tra­balho.

Este caso é um exemplo fla­grante das ori­en­ta­ções po­lí­ticas da União Eu­ro­peia e das con­sequên­cias prá­ticas que se pre­tende que elas te­nham de ime­diato.

Trans­forma-se a guerra em motor da eco­nomia e faz-se do mi­li­ta­rismo e da cor­rida aos ar­ma­mentos a re­fe­rência para a ori­en­tação dos re­cursos pro­du­tivos. Re­cusa-se e apaga-se o papel dos Es­tados na de­fi­nição da po­lí­tica eco­nó­mica, in­cluindo da po­lí­tica in­dus­trial, dei­xando essas de­ci­sões nas mãos dos grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros. Ao mesmo tempo dis­po­ni­bi­lizam-se avul­tados re­cursos pú­blicos para aqueles ob­jec­tivos de forma a que o ne­gócio se faça sem risco e com ga­ran­tias de ren­ta­bi­li­dade.

A sa­tis­fação das ne­ces­si­dades so­ciais nos mais va­ri­ados do­mí­nios é pos­ter­gada para se­gundo plano, a co­meçar pelos tra­ba­lha­dores e pela con­si­de­ração dos seus di­reitos. Aqueles que ontem ex­plo­ravam o tra­balho alheio na pro­dução de au­to­mó­veis, ex­plorá-lo-ão amanhã na pro­dução de tan­ques e carros de com­bate com a benção do mesmo poder po­lí­tico, que a partir dos go­vernos na­ci­o­nais ou das ins­ti­tui­ções da União Eu­ro­peia, es­tiver de turno ao seu ser­viço.

E a partir de Bru­xelas a men­sagem é clara. Para as mul­ti­na­ci­o­nais ha­verá apoios e planos bi­li­o­ná­rios de 800 mil mi­lhões de euros como o «Re­Armar a UE». Para os tra­ba­lha­dores ficam re­ser­vados os planos de des­pe­di­mentos, for­mação e re­qua­li­fi­cação pro­fis­si­onal, sub­sí­dios e apoios so­ciais tem­po­rá­rios.

Às classes ex­plo­ra­doras servem-se pri­vi­lé­gios em ban­dejas de prata, à classe tra­ba­lha­dora servem-se balas e pa­li­a­tivos.

As pri­o­ri­dades e op­ções po­lí­ticas têm de ser ou­tras e também os tra­ba­lha­dores do sector au­to­móvel em Por­tugal pre­cisam de outra res­posta.

Ga­rantir os postos de tra­balho e de­fender e apro­fundar os di­reitos dos tra­ba­lha­dores. Re­forçar e de­sen­volver a ca­pa­ci­dade de pro­dução in­dus­trial. Ori­entar a po­lí­tica eco­nó­mica e a pro­dução in­dus­trial em função da sa­tis­fação de ne­ces­si­dades so­ciais e do de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal em vez dos lu­cros das mul­ti­na­ci­o­nais. Com­binar a pro­dução in­dus­trial, a po­lí­tica de mo­bi­li­dade e trans­portes e a pro­tecção am­bi­ental, por exemplo pro­mo­vendo a me­lhoria das redes de trans­portes pú­blicos co­lec­tivos e o re­forço da sua co­ber­tura e ca­pa­ci­dade de res­posta.

Estas são al­gumas das re­fe­rên­cias que as­sume a po­lí­tica al­ter­na­tiva pela qual con­ti­nu­amos a bater-nos. Al­ter­na­tiva que re­cusa a ori­en­tação «tan­ques em vez de carros» e lhe con­trapõe a de «paz e pro­gresso em vez de guerra e ex­plo­ração»."

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