«Diz o take da Lusa que o filho de Baltazar Rebelo de Sousa recusa comentar as eleições em Angola, não por ser um Estado independente e soberano, mas por o processo eleitoral ainda estar a decorrer. Depois tudo o que é jornal, rádio e televisão, repete o take da Lusa, e tornam a repetir o take da Lusa, de microfone estendido à roda de Marcelo, já em território angolano à saída do aeroporto em Luanda. E Marcelo repete o take da Lusa e recusa comentar o processo eleitoral que ainda decorre. E o tabu dura quarenta e oito longas horas até alguém com sentido de Estado se ter lembrado de chamar o Presidente da falta de noção à razão, e jornalista não foi de certeza, tal a vertigem mediática para o espectáculo circense. Estas coisas deviam deixar-nos profundamente envergonhados ou, no mínimo, embaraçados, mas a seguir o artista sai aos beijinhos, de telemóvel em punho para a selfie, e toda a gente encolhe os ombros "tadinho, é assim mas não é má pessoa, o que é que se há-de fazer?".»
António Agostinho, o autor deste blogue, em Abril de 1974 tinha 20 anos. Em Portugal havia guerra nas colónias, fome, bairros de lata, analfabetismo, pessoas descalças nas ruas, censura prévia na imprensa, nos livros, no teatro, no cinema, na música, presos políticos, tribunais plenários, direito de voto limitado. Havia medo. O ambiente na Cova e a Gala era bisonho, cinzento, deprimido e triste. Quase todas as mulheres vestiam de preto. O preto era a cor das suas vidas. Ilustração: Pedro Cruz
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