Quem me conhece sabe que sou de esquerda desde pequenino.
Nasci na Cova-Gala, Aldeia de pescadores. Sempre fui pobre e humilde, jamais grosseiro. Sou, aliás, descendente de homens simples, tisnados pelo sol, secos e robustos e mulheres de convicções fortes. A família sempre foi sagrada. A família continua a ser sagrada.
Estou habituado ao contacto com o mar. O contacto com a terra obriga o homem a olhar para o chão. O contacto com o mar obrigou-me a levantar a cabeça. É por isso que sempre gostei de andar nesta vida de cara levantada.
Na minha família, os homens quando chegavam do mar não faziam mais nada. O resto competia à mulher.
Como descendente desta gente, sempre gostei de viver com simplicidade. Os meus antepassados viveram nos palheiros, a casa ideal para os pescadores, construída sobre espeques na areia, com tábuas de pinho e um forro por dentro aplainado. Cheiravam que consolavam, quando novas, a resina, a árvore descascada e a monte.
Teriam sido felizes ou infelizes os meus antepassados?
Nunca apurei isso lá muito bem...
Sei, isso sim, que eram desprezados pelo Estado, que os roubou, cobrando-lhes uma exorbitância de dizimo. Nunca tiveram direito a nada em troca: a um hospital, a uma maternidade, a uma pequena biblioteca, a um médico, a uma estrada, a uma escola, nada.
No entanto, sem organização nem instrução, os meus antepassados eram gente tão pura, solidária, generosa e boa, que dormia com a porta aberta.
Quando chegavam a velhos e já não podiam trabalhar, como estavam abandonados pelo Estado, valiam-se uns aos outros como podiam. Na família e nos Amigos.
Os pescadores sempre foram de esquerda, generosos, imprevidentes e solidários.
É por isso que não perdoo a Sócrates ter subvertido as boas ideias que, nascidas na esquerda, se viram transformadas em operações de marketing, esvaziadas de sentido e convertidas a mero negócio.
Igualdade na educação, novas oportunidades, energias alternativas, democratização tecnológica, parcerias público-privadas, avaliação de desempenhos, mais o rol de negociatas, o trabalhar para a fotografia e para as estatísticas, o roubo descarado, aos pobres para dar aos banqueiros ricos e agiotas, o fanatismo, a intolerância, a ignorância, o modernismo para pacóvio ver (de que é exemplo o acordo ortográfico, uma bela forma de vender dicionários…), a demagogia a roçar o delírio, a promoção e enriquecimento ilícito de gente inclassificável, a parasitagem e a chulice de um Estado que deixou a maioria à beira da bancarrota, mas com os bolsos de alguns bem recheados…
Como posso esquecer isso senhor anónimo certamente usufrutuário do socretismo?
Sobretudo, não lhe perdoo, a si e ao seu patrono, que nos tenham entregue de bandeja à direita.
Ainda por cima, querendo-nos fazer crer que foi a esquerda, consequente e objectiva, que foi a culpada disso.
Passe bem!.. V. Exa. e quem o apoiar.
E o papo consigo termina aqui.