"Em Portugal, não há propriamente organização de grandes eventos, há grandes eventos sem organização. A norma é a derrapagem orçamental ou a feitura em cima do joelho, duas acções tantas vezes relacionadas, especialmente quando os dinheiros públicos estão envolvidos.
Os dinheiros públicos têm, para quem os gere, a grande vantagem de saírem da carteira de muita gente. As dívidas podem ser contraídas hoje e pagas pela gerência seguinte, que, como é costume, irá queixar-se da gerência cessante. Apesar de ser tudo feito em cima do joelho, nunca é o joelho que sofre, é o mexilhão, o molusco que paga sempre as dívidas que não contraiu e cujo salário mal dá para mexilhão.
Sempre que se (des)organiza um grande evento, no entanto, os que criam dívidas em nome do mexilhão garantem sempre que o dito evento, depois das derrapagens e da instabilidade do joelho, irá trazer retorno.
Ele é o retorno em noites de hotelaria, em litros de cerveja, em reservas de mesas, em taxas, em criação de empregos. No papel, as fortunas que se gastam nos grandes eventos são sempre ínfimas quando comparadas com os lucros que virão, o tal retorno, o milagre da multiplicação das notas que foram muitas e regressarão acompanhadas por muitas outras.
Os defensores dos dinheiros públicos despejados nas Jornadas Mundiais da Juventude também pregam o evangelho do retorno, apresentam estudos, certezas, é, no fundo, uma questão de fé. Assim foi com o retorno da Expo98 e do Euro2004.
A nossa talvez endémica tendência para contrair dívidas torna muito mais compreensível a velha anedota da professora que, tendo perguntado a quem devemos o pinhal de Leiria, obteve como resposta a indignação do menino Zezinho: “O quê?! Ainda não pagámos essa merda?!”
Estamos, portanto, diante de uma outra teoria do eterno retorno. É teoria, porque não chega a ser realidade. É eterno, porque nunca mais acaba. É retorno, mas em teoria. As Jornadas Mundiais da Juventude darão lagosta a alguns e teoria à maioria, que o retorno, quando nasce, não é para todos."
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