"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência
de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso,
e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das
nações.
A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma
rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela
intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.
A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas
vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do
ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo
dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre,
de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena
enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores
ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o
privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se,
destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as
indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.
À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos,
ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos
cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da
vaidade."
Eça de Queiroz, in Distrito de Évora (1867)
“Mais de cem anos depois do seu desaparecimento, mantém-se actual a
análise mordaz tantas vezes citada que Eça de Queirós fez acerca da política
nacional e do comportamento dos políticos.
Ali
elabora, com a ironia que o caracteriza, sobre as motivações que conduzem à
luta política.
Vem
esta referência a propósito das anunciadas candidaturas à estrutura local do
partido que detém o poder absoluto no município da Figueira.
Certamente
que se encontrarão garantidos os direitos de cada um dos candidatos (não opino
sobre isso), mas o facto é que ambos os protagonistas desempenham funções na
Câmara Municipal,
prosseguindo
certamente tendências diferentes, quem sabe se até antagónicas.
Não
é a primeira vez que situação equivalente ocorre na Figueira da Foz. Se para os
partidos, o resultado foi indiferente, o facto é que o concelho perdeu sempre, pelas
graves consequências que
ocorreram na governação da Câmara.
Uma
coisa é a luta política dentro dos partidos, outra será a administração
municipal.
Ao
presidente, na qualidade de mais alto responsável pelas más consequências que poderão
advir de eventuais divisões, competirá evitar que a ciência de governar se constitua
como “uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela
paixão, pela inveja, pela intriga, pela
vaidade, pela frivolidade e pelo interesse”, como, naquele artigo, refere o
Eça.
Separem-se
as águas: Ao partido o que é do partido. À governação municipal o que interessa
aos munícipes.”
Daniel Santos, in As
Beiras (27.11.2013)
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