A RENDIÇÃO
"O Governo que agora acaba dará lugar a outra coisa. Presumivelmente até justificaria uma posse renovada de alto a baixo porque ultrapassa largamente o contexto de uma simples "remodelação". Recorda o Governo Balsemão II, de 1982 (que terminou como se sabe) e, politicamente, corresponde a uma rendição do maior partido da coligação ao seu parceiro minoritário. Este deixou, assim, de ser o Governo com o qual colaborei. Primeiro ajudando na redacção do seu programa, no gabinete de Miguel Relvas e em sintonia com o gabinete do ainda Primeiro-Ministro e, depois, com Álvaro Santos Pereira cuja seriedade, lealdade e decência, levadas a um extremo por fim inútil, pude testemunhar durante quase sete meses. Talvez o último gesto com a cintilante envergadura do fracasso tenha sido a carta de demissão de Vítor Gaspar já que o que se passou a seguir é demasiado amoral para o meu gosto. Todavia, importa uma renegociação séria do memorando com os credores - esse, sim, o único "compromisso" que teria valido a pena - e tentar uma "reforma do Estado" para a qual nunca chegou a haver guião algum. O novo Governo, cuja liderança carrega agora outro fardo - o da falsa gravitas da "coesão" e da "solidez" -, só adia, apodrecendo, o inevitável. Para além disso, trata-se manifestamente de um Governo mais vulnerável aos interesses e à esperteza saloia que mandam "transversalmente" no regime. As primeiras "reacções" às escolhas neófitas são, aliás, inequívocas a esse respeito. Agradeço, com amizade, ao Miguel Relvas e a Álvaro Santos Pereira. E com a consciência tranquila de ter dito em total liberdade, em todos os momentos e a cada um, o que entendia que devia dizer, aconselhar ou contrariar. É a melhor homenagem que lhes posso fazer."
JOÃO GONÇALVES
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