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terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Da série, Museu do Mar (continuação)...

Em Fevereiro de 2020, tivemos alguns episódios desta série: "que local propõe para a instalação do museu do mar?"
Em Fevereiro de 2022, temos em cena novos  episódios desta mesma série: "a Figueira devia ter um Museu do mar?"
Há aqui qualquer coisa fora de tempo: em 2022 questiona-se se a "a Figueira deve ter um Museu do mar?"
Então porque é que, em 2020, dois anos antes, se queria saber o local onde deveria ser instalado, se ainda há dúvidas se a Figueira deve ter um Museu do mar!..
O que não poupávamos em papel de jornal se a Figueira tivesse mar!..

Lembrando, via Centro de Estudos do Mar e das Navegações Luís de Albuquerque (CEMAR),  esse extraordinário figueirense que foi Manuel Luís Pata.

"Não é demais repetir que, para além das matérias culturais, também nas outras matérias, as do Património Natural e Ambiental (dinâmica sedimentar das areias, porto comercial errado, erosão costeira), foi Manuel Luís Pata quem chamou as coisas pelos seus nomes — chamou bois aos bois... —, pronunciando-se sobre o maior e o mais grave de todos os problemas da Figueira da Foz, o problema que levou à decadência e ao desaparecimento, no todo nacional, desta região e desta Cidade de Mar.

O problema que, ainda hoje (e, agora, mais do que nunca), continua a ser decisivo, momentoso, e grave, para o Presente e o Futuro da Figueira da Foz e da sua praia… Mas perante o qual, em vez de se procurarem e se encontrarem quaisquer soluções verdadeiras e efectivas, só se têm aumentado, acrescentado, e avolumado, os maiores erros vindos do Passado… Assim se agudizando as contradições, eternizando os impasses, e se originando as situações insustentáveis, absolutamente previsíveis, e de extraordinária gravidade (que nenhuma hipocrisia pseudo-"ambientalista" vai poder disfarçar), que cada vez mais se aproximam, nos desenlaces do futuro próximo dessa "Praia da Calamidade" que é, infelizmente, a da Figueira da Foz.

Em suma, para além da dramática gravidade da catástrofe cultural que é o estado de destruição, abandono, e desprezo, do Património Cultural e Histórico Marítimo da Figueira da Foz (uma área em que este homem, só, absolutamente autodidacta, e descendente de Pescadores, fez o que pôde, e fez muito, somente com os seus próprios meios, enfrentando todas as contrariedades que lhe foram movidas nos círculos que eram supostos defender e preservar esse Património Cultural), também acerca da calamidade ambiental irresolúvel em que a Figueira da Foz desde há décadas se encontra sepultada (com toda a gente a fingir que não vê, quando a areia, tanta, está à frente dos olhos…) foi Manuel Luís Pata quem tomou sempre posição pública, voluntariosamente, corajosamente, à sua maneira.
Foi ele quem disse o essencial: "a Figueira da Foz virou costas ao Mar…!".

É essa coragem que distingue a verdadeira intervenção e serviço de utilidade pública (e da parte de quem nem sequer recebe, para fazer tal intervenção cultural ou ambiental, quaisquer remunerações, reformas, etc., pagas com dinheiro público…!). É a coragem de quem tenta voluntariosamente ser útil à sua terra, metendo ombros a tarefas e a obras que são trabalhosas e meritórias (em vez de viver simplesmente em agrados e ambições de carreirismo pessoal, em intrigas políticas fáceis, nos bastidores, acotovelando à esquerda e à direita, à sombra do poder do momento). É a coragem de quem é capaz de se pronunciar, não menos voluntariosamente, sobre tudo o que é verdadeiramente importante, não receando, para isso, tocar nas feridas dos assuntos verdadeiramente graves e polémicos (em vez de mostrar a cara em artigos de jornal para escrever sobre insignificâncias pessoais e diletantismos, "culturais", pseudo-"progressistas").
É a coragem — típica de Pescador…? (mesmo quando um pouco brusca…?) — de quem é capaz de tentar mesmo fazer alguma coisa, a sério (mesmo que não consiga…)… e, para isso, é capaz de tentar enfrentar, de frente, qualquer vaga, seja de que tipo for. Em vez de viver no (e do) manhoso tacticismo, no (e do) elogio mútuo, no (e do) tráfico de influências, nos bastidores do poder que anseia e rodeia, e ao qual espera chegar rodeando.
Enquanto todos os verdadeiros problemas, os do Presente e do Futuro, culturais ou ambientais, ficam por resolver (e, por isso, se agravam)… e todos os verdadeiros patrimónios, os do Passado, culturais ou ambientais, se vão perdendo com o tempo ("como neve diante do sol")... Enquanto as nuvens negras das catástrofes, quer culturais e sociais, quer ambientais e ecológicas, se avolumam, em dias de sol, no horizonte próximo.

A Cultura e a Natureza estão, talvez, estranha e paradoxalmente ligadas de uma forma muito íntima, de maneira muito simbólica: quem sabe se, um dia, na luxuosa pobreza extrema, e na merecida desgraça última, quando se enfrentar as vagas assassinas de um tsunami que venha a devastar uma área de ocupação humana ao nível do mar — mas… será possível que haja alguém que, em pleno século XXI, esteja a querer legitimar ("ecologicamente"…!!!), e a, assim, adensar e avolumar (!) uma ocupação humana (dita "turística", e "cultural"… e, até, "ambiental"…! [e, na verdade, pré-imobiliária…?!]) ao nível do mar…?! —, irá ser lembrada, e recordada, com saudade, a geometria fina e a silhueta esguia, cortante, dos antigos "Barcos-da-Arte" ("Barcos-do-Mar"), em "meia-lua"… Que, nesse dia, já não existirão… nem existirá ninguém que os saiba construir...! (embora, provavelmente, vá continuar a existir gente funcionária e política, paga com dinheiro público, que estará pronta para tentar continuar a viver à custa dessas tais matérias, "culturais", e "ambientais", dos barcos antigos, e das praias ecológicas…).

Com o nosso Exº. Amigo Senhor Manuel Luís Pata, aprendemos, há muito tempo, o lema que ele sempre proclama (e que nós sempre repetimos): "O Mar não gosta de cobardes… não gosta de quem lhe vira as costas…"."

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Manuel Luís Pata, um enorme exemplo de perseverança...

Manud Luís Pata nasceu na Gala, actual freguesia de S. Pedro, no dia 22 de Novembro de 1924.
É filho, neto e bisneto de marítimos oriundos de Ílhavo, os primeiros povoadores da Cova, aí pelo ano de 1742.
Fiel às suas raízes, fez-se ao mar, em 1943, como ajudante de motorista no lugre “Ana I”.
Habilitado em 1946 com a carta de motorista, foi trabalhar para a Empresa de Navegação Limpopo, de Lourenço Marques, Moçambique, creio que em 1948.
Entre Moçambique e Portugal continental foi fazendo a sua vida, sempre ligado ao mar, tendo realizado duas campanhas à pesca do bacalhau.
Depois do 25 de Abril de 1974, veio de vez para a sua Terra natal, onde terminou a sua actividade profissional como empresário na área da restauração.
Já na reforma, contra tudo e contra todos, como é “a sua imagem de marca”, dedicou-se à escrita e publica 4 livros. Três sobre “A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau - Achegas para a sua História - Vol. I, II e III, dados à estampa em 1997, 2000 e 2003. Em 2005, publica a quarta obra : “Memórias de Moçambique”.
Apesar dos quase 92 anos e algumas maleitas físicas, ainda não parou. Conforme me confessou em julho de 2010,  enquanto tomávamos um café numa esplanada da Cova, tinha pronto outro livro. Este, sobre a construção naval na foz do Mondego.
Já tinha contactado algumas entidades para tentar obter ajuda para a sua publicação, mas não estava a ser fácil. Como ele próprio dizia: “santos de casa não fazem milagres”.
Como escrevi, talvez há década e meia, numa crónica para o extinto “linha do oeste”, para mim, Manuel Luís Pata não é, ao contrário do que muitos julgam, até talvez ele próprio, um Homem teimoso. É sim, do meu ponto de vista um dos raros exemplos de verdadeira perseverança que conheço.
E a prova aí está: no próximo dia 26 do corrente, no Desportivo Clube Marítimo da Gala, vai ser apresentado o novo livro de Manuel Luís Pata.

terça-feira, 11 de março de 2008

O naufrágio do bacalhoeiro "João Costa"

Esta foto de PAULO DÂMASO, que com a devida vénia sacámos daqui, mostra-nos Hipólito Luís, Remígio Gonçalves e António Santos junto à réplica do bacalhoeiro “João Costa”, naufragado há 56 anos.
Estes, são três pescadores ainda vivos que seguiam a bordo do navio que naufragou em 1952.
A tragédia, ocorrida há 56 anos (precisamente no dia 24 de Setembro de 1952, cerca das 20 horas, ontem lembrada na escola EB1 da Cova-Gala, envolveu outros “velhos lobos do mar”, que ainda conheci, e que aqui recordo com saudade. Entre outros, António Paxita, Alberto Curado (Motorista), António Penicheiro, Remígio Lima (Má Cara), Arnaldo Marques, que foi quem deu o alarme de fogo na casa das máquinas), pode ser exaustivamente recordada no livro de Manuel Luís Pata, “A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau”, volume II, páginas 347 a 351.
A título de curiosidade, sabem como foram tratados os pescadores, depois de salvos e instalados na Casa dos Pescadores em S. Miguel, nos Açores?
António Paxita, no livro de Manuel Luís Pata, deu a resposta:
“deram-nos roupa, cuecas, camisola interior, meias, sandálias e uma boina. O pior foi quando chegámos à Figueira e fomos receber o valor do peixe que tínhamos pescado, descontaram-nos 390 escudos da roupa que nos tinham dado”.
Isto, apesar do Jornal do Pescador ter noticiado que o comandante Tenreiro tinha telegrafado para os Açores, para a Casa dos Pescadores de Ponta Delgada, a dar instruções para dispensarem todos os cuidados necessários aos náufragos do João Costa ...
“Bem, deram-nos alojamento e comida, mas a roupa tivemos que a pagar...”.
“Eram mais as nozes que as voz”,
diz com ironia o velho pescador no livro de Manuel Luís Pata.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

António dos Santos - o Tróia

Um dia destes, ao fazer uma caminhada pelas ruas da minha Aldeia, passei pela Rua António dos Santos - o Tróia - e deparei com a placa no topo norte da rua (para quem não sabe, é a que vai dar mesmo até à entrada do porto de pesca) no estado que a foto mostra.
Confesso que não gostei e, espero, que depois deste reparo a placa que recorda na toponímia cova-galense um lobo do mar, talvez um dos maiores de toda a orla marítima portuguesa, de seu nome António Santos - o Tróia, volte a ter a dignidade e o respeito que o homenageado, em devido tempo, pela Comissão de Toponímia da junta de freguesia de S. Pedro, merece.


Conheci muito bem António dos Santos - o Tróia, a sua esposa - a dª. Elvira - e as suas filhas.
A sua casa ficava a cerca de 200 metros para sul da casa dos meus Pais. A casa em madeira, embora já não pertença à família, ainda lá está: fica na esquina, lado norte, da rua que dá acesso às antigas instalações do Alberto Gaspar.
Por uma questão de precisão histórica, porém, recorro ao livro A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau, vulme II, de Manuel Luís Pata, que retrata essa figura lendária que se chamou António dos Santos, mais conhecido pelo o Tróia.
Nasceu na freguesia da Sé Nova, em Coimbra, a 15 de Fevereiro de 1912.
Fez 6 campanhas ao bacalhau. Entre as razões que o levaram a ter abandonado a pesca ao bacalhau, não esteve de certeza o medo. Escreve quem o conheceu: "por medo? Não! O Tróia não sabia o que era o medo. Ele tratava o mar por tu, o mar era o seu grande companheiro do dia a dia...
O Tróia deve ter deixado a pesca do bacalhau, não por medo, mas sim por revolta pela desumanidade que imperava naquela vida, que não se enquadrava na sua maneira de ser. Enquanto para alguns capitães o bacalhau representava mais do que a vida dos pescadores, ele, Tróia, vária vezes tinha posto a sua vida em perigo para salvar vidas em naufrágios ocorridos na barra da Figueira da Foz. O Tróia, antes de embarcar para a pesca do bacalhau, já tinha dado provas da sua bravura, quer na sua bateira a remos, quer a nado, cometendo actos de invulgar heroísmo. Ele parecia possuir algo sobrenatural: de noite, acordava e levantava-se da sua cama, quando pressentia que algo de grave se passava nas proximidades da barra da Figueira. E, muitas vezes, o seu pressentimento estava certo. Nessas ocasiões, saltava para dentro da sua bateira, quer em noites de verão, quer em noites invernosas e fazia-se à barra, muitas das vezes antes das sereias dos Bombeiros começarem a roncar a dar o alarme. Quando chegava o socorro já lá andava o Tróia a furar o mar..."

Quem recorda o Tróia, lembra-o como um lobo do mar, possivelmente um dos maiores que existiram na orla marítima portuguesa.
Manuel Luís Pata, ao vivo, assistiu o dois naufrágios em que o Tróia arriscou a sua própria vida para salvar outras vidas.
"O primeiro foi o encalhe da traineira Sagres, nos rochedos do Forte de Santa Catarina. O outro, foi o encalhe do iate de cabotagem Bem Aventurado ao sul dos blocos da barra no Cabedelo." 
Nesta ocorrência, todo o esforço do Tróia foi feito a nado, batendo-se com o mar, a passar cabos do navio para terra. Graças à sua coragem, toda a tripulação se salvou e  alcançou terra. Neste naufrágio, a que assistiu Manuel Luís Pata, o único meio possível de ajudar as vitimas era a nado pois não havia outro meio de chegar ao navio - "só um Tróia teria a força e a coragem para o fazer".

Relatar uma vida cheia como a de António dos Santos - o Tróia não é tarefa fácil. Muito mais haveria a escrever. Porém, esta postagem para além de apenas recordar uma figura com a dimensão humana de poucos, pretende chamar a atenção de quem de direito para a dignidade que merece a preservação da sua memória numa rua da freguesia de S. Pedro.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Da série, Museu do Mar... (2)

 Começar pelo telhado

"Ou porque é preciso fazer uma “prova de vida”, ou para criar um “facto político”, ou porque se julga mais fácil e eventualmente menos impopular tentar justificar o erro com uma distração do que reconhecê-lo, ou ainda porque a opinião pública fica efetivamente convencida de determinada realização, não quando ela o é de facto mas apenas porque foi (sucessivamente) anunciada, nesta Figueira política já deixou de ser surpreendente a pirueta, a inércia e a leviandade, até porque o povo (o que ainda vai votar) parece gostar e estar satisfeito.  Entendo que uma forma séria de abordar a questão da instalação de um Museu do Mar não pode começar pelo local, mas pela resposta assertiva às seguintes perguntas prévias: Há um claro e estratégico consenso no concelho da Figueira sobre o que deve ser, hoje, um Museu? Há um espólio, material e imaterial, que justifique um Museu do Mar “da Figueira”? Há uma vontade política, social, económica e cultural abrangente, que envolva todos os players, relativamente à necessidade de construção de um Museu do Mar? Já foi feito algum estudo sobre o esforço necessário para a concretização deste desiderato e respetivo impacte (económico, fi nanceiro, cultural, social)? A CIM-Região de Coimbra é/fará parte do projeto? O Turismo Centro Portugal já foi contactado? E o Ministério da Cultura, sabe? Algum dos pré-auto-envolvidos na “discussão” (os presidentes das Juntas de Buarcos e São Julião e de São Pedro e o presidente da Câmara), além de terem divulgado “que já têm um local”, realizou alguma reunião (de trabalho, estratégica ou sequer para auscultação) sobre o assunto?
Não tenho dúvida em afirmar que a resposta é um “não” a (quase) todas as perguntas atrás formuladas, pelo que mal vai um concelho no qual a falta de desígnio proporciona a continuação desta tendência para começar a casa pelo telhado, com as consequências que todos estamos a ver."


Via Diário as Beiras 

Nota via OUTRA MARGEM. 
Na altura, comprar o Palácio de Maiorca, o Convento de Seiça e fazer o Caríbe foram  as prioridades...
Estávamos em 1998 na Figueira da Foz.
Santana Lopes tinha tomado posse de presidente da Câmara Municipal há poucos meses.
Com o apoio do Centro de Estudos do Mar - CEMAR, uma comissão de cidadãos (constituída por Manuel Luís Pata - que, então, estava a publicar os seus livros sobre a Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau, e já era associado do CEMAR - e pelos últimos Capitães figueirenses desse navio: o Capitão Marques Guerra e o Capitão Abreu da Silva) desenvolveu esforços para tentar salvar da destruição e da sucata o último de todos os navios bacalhoeiros da Figueira da Foz (o "José Cação", antigo "Sotto Mayor").
Com o declínio das pescas portuguesas, fruto em grande parte da adesão à União Europeia, após o falhanço da tentativa levada a cabo nos anos de 1998 e 1999 de transformar este navio em museu - a Câmara da Figueira presidida então por Santana Lopes não apoiou a iniciativa da sociedade civil - o “José Cação” acabou na sucata por volta de 2002-2003.
Recordo, um pequeno excerto de uma  interessante crónica de Manuel Luís Pata, publicada no jornal O Figueirense, em 2.11.207.
"A pesca do bacalhau foi a indústria que mais contribuiu para o desenvolvimento da Figueira da Foz. Nas campanhas de 1913/14 foi este o porto que mais navios enviou à Terra Nova (15 navios), ou seja, quase metade de toda a frota nacional. Hoje o que resta? Nada de nada!”
Foi assim que as coisas se passaram, mas tudo poderia ter sido diferente. Recordo as palavras do vereador então responsável, Miguel Almeida de seu nome: “esta proposta (a oferta do navio que o dr. António Cação fez em devido tempo à Câmara Municipal da Figueira da Foz, presidida na altura por Santana Lopes) foi o pior que nos podia ter acontecido”.
Como disse na altura Manuel Luís Pata, “nem toda a gente entende que na construção do futuro é necessário guardar a memória”
E, assim,  o “José Cação” foi para a sucata. Como sublinhou Álvaro Abreu da Silva, o seu último Capitão, "foi e levou com ele, nos ferros retorcidos em que se tornou, a memória das águas que sulcou e dos homens que na sua amurada se debruçaram para vislumbrar os oceanos”.

domingo, 23 de abril de 2023

António dos Santos Cortina e Jesué Ferreira Ramos, dois heróis "daquela vida do bacalhau, que não era vida para viver, mas sim uma vida para se morrer"...


"Para a História da Cova Gala: A Fuga a dois de Bote para a América (Campanha de 1926)", recordado pelo blog COVA GALA...entre o rio e o mar, é um texto que já conhecia. Li-o há uns anos na "ode à História Marítima Figueirense" que é a obra de Manuel Luís Pata, filho, neto e bisneto de pescadores, que passou a 2ª Guerra a bordo da Frota Branca, praticamente o único testemunho e legado que resta para lembrar a importância que a pesca do bacalhau teve no século passado no concelho da Figueira da Foz: a triologia literária que nos deixou sobre a Figueira e a sua vida ligada à "faina maior"

É uma história mais do que extraordinária, incrível mesmo, que vale a pena ler, especialmente pelas gerações mais jovens. Para eles, o que ficou para sempre escrito por Manuel Luís Pata, deve parecer ficção. Infelizmente não, era a realidade de uma Terra de pescadores há cem anos.

É fácil: basta clicar aqui.

Fica uma foto de Pedro Agostinho Cruz do Senhor Manuel Luís Pata, de finais de outubro de 2013, no decorrer de um agradável café, acompanhado, como era habitual quando nos encontrávamos, de uma  empolgante  conversa sobre  o porto e a barra da Figueira, à mesa do Bar Borda do Rio, na Gala.


quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Aquilo em que transformaram a barra da Figueira não precisa de ser julgado?..

O mestre da embarcação Jesus dos Navegantes, que naufragou a 25 de Outubro de 2013 na Figueira da Foz, vai começar a ser julgado no próximo dia 16, no Tribunal de Coimbra, por quatro crimes de homicídio por negligência. 
O Ministério Público acusa o mestre e proprietário da embarcação das Caxinas de quatro crimes de homicídio por negligência, considerando que o arguido "agiu de forma descuidada e desajustada" aquando do naufrágio que provocou quatro mortos, entre os oito tripulantes.
Segundo o despacho de acusação do MP, o armador não obedeceu ao plano de navegação recomendado na carta náutica, "nem atendeu às condições meteorológicas e oceanográficas desfavoráveis" e não ordenou que os tripulantes "envergassem os coletes de salvação"
O comandante de 42 anos "não observou os mais elementares cuidados no exercício da condução de uma embarcação de pesca", lê-se na acusação.
Cerca de meia hora após o naufrágio, uma embarcação da Estação Salva Vidas conseguiu resgatar cinco dos oito tripulantes. Um deles, inconsciente, viria a falecer no Centro Hospitalar de Coimbra. Os três pescadores desaparecidos foram encontrados a 26 e a 29 de Outubro. Nenhum possuía colete de salvação.
Na altura do naufrágio, a Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar referiu que o Porto da Figueira da Foz está "mal feito" para a pesca, considerando que a orientação da barra faz com que as embarcações "levem com as ondas de lado". Mas para o Ministério Público o mestre do Jesus dos Navegantes rumou a 226º e não a 200º na navegação sobre o enfiamento da saída da barra, como era recomendado pela carta náutica.

"A barra da Figueira está assim por vontade dos homens".
O meu Amigo Manuel Luís Pata, farta-se de dizer o seguinte: "há muita gente que fala e escreve sobre o mar, sem nunca ter pisado o convés de um navio".
Em 2003, lembro-me bem da sua indignação por um deputado figueirense - no caso o Dr. Pereira da Costa - haver defendido o que não tinha conhecimentos para defender: "uma obra aberrante, o prolongamento do molhe norte".
Na altura, Manuel Luís Pata escreveu e publicou em jornais, que o Dr. Pereira da Costa prestaria um bom serviço à Figueira se na Assembleia da República tivesse dito apenas: "é urgente que seja feito um estudo de fundo sobre o Porto da Figueira da Foz".
Como se optou por defender o acrescento do molhe norte, passados 12 anos, estamos precisamente como o meu velho Amigo Manuel Luís Pata previu: "as areias depositam-se na enseada de Buarcos, o que reduz a profundidade naquela zona, o que origina que o mar se enrole a partir do Cabo Mondego, tornando mais difícil a navegação na abordagem à nossa barra"

"Há muita gente que fala e escreve sobre o mar, sem nunca ter pisado o convés de um navio"
Espero que quem julga sobre casos do mar tenha pisado alguma vez um convés de um navio...

segunda-feira, 14 de julho de 2014

“Ò Tó, sabes porque é que a Voz da Figueira traz tantas fotografias do Ataíde?..”

Esta manhã, ao dar a habitual volta na minha velha pasteleira pela Aldeia, tive uma agradável surpresa: reencontrei o meu velho Amigo Manuel Luís Pata.
Ao passar por mim, no seu automóvel – gostei de o tornar a ver a conduzir, depois dos problemas de saúde que o apoquentaram recentemente... - parou para me cumprimentar e estivémos largos minutos a colocar a conversa em dia...
Manuel Luís Pata, apesar dos seus praticamente 90 anos, não é um Homem confuso – continua lúcido e de uma simplicidade desarmante, como sempre.
Claro que está velho. E, como velho, deve soletrar, lá para dentro: "...já nada é como era..”
Contudo, é sempre interessante e gratificante reencontrá-lo.
Falámos do habitual: do porto da Figueira, da estupidez dos 400 metros que acrescentaram ao molhe norte, do livro que tem pronto para publicar sobre a construção naval figueirense (e que continua sem apoios para que venha a ver a luz do dia...), da actual situação política na freguesia de S. Pedro...
De repente, Manuel Luís Pata quedou-se e coloca-me uma pergunta que me deixou verdadeiramente atrapalhado: ò Tó – é assim, que os que me conhecem desde miúdo me tratam... – diz-me porque é que a Voz da Figueira traz tantas fotografias do Ataíde?....
Fiquei sem saber o que dizer...
“Sei lá Senhor Manel. Então não acha que é normal e justo?..”
Fiquei a pensar no assunto.
Depois, só depois, já em casa, percebi a que se referia...

Em tempo.
Voz da Figueira é um jornal interessante.
Contudo, é um órgão de informação - e não é o único jornal português... - da corrente do unanimisno de bloco central,  embora já lá tenha lido crónicas de opinião contra o situacionismo vigente...
Este jornalismo apresenta, como a versão autêntica e verdadeira, os factos como os entendem. 
É este o jornalismo que temos, que vemos, escutamos e lemos, hoje, nas rádios, televisões e jornais figueirenses e portugueses.
Alguém se lembra, por exemplo, do jornalismo de "O Jornal" de Joaquim Letria e de José Carlos de Vasconcelos?.. 
O modelo de jornalismo e jornalistas de há trinta anos, para não ir mais longe, acabou aparentemente, com os seus cultores e os seus símbolos. 
Os jornalistas desse tempo – e havia bons e maus... - quando erravam, não estavam errados nos métodos. 
Erravam porque é humano errar. 
Actualmente, os jornalistas de tipo corrente (como dantes dizia todos os dias quando trabalhei numa empresa de seca e comercialização de bacalhau...), erram porque os métodos comportam fatalmente esse risco iminente e aceitam-no como modo de vida profissional. 
Quanto a mim, reside nisso, um bom quinhão da razão essencial para a queda da venda de jornais. 
Na Figueira e no País...
Os leitores têm poder de análise e observação...

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Manuel Luís Pata, um exemplo de perseverança...

Manuel Luís Pata nasceu na Gala, actual freguesia de S. Pedro, no dia 22 de Novembro de 1924.
Tal como eu, é filho, neto e bisneto de marítimos oriundos de Ílhavo, os primeiros povoadores da Cova, aí pelo ano de 1742.
Fiel às suas raízes, fez-se ao mar, em 1943, como ajudante de motorista no lugre “Ana I”.
Habilitado em 1946 com a carta de motorista, foi trabalhar para a Empresa de Navegação Limpopo, de Lourenço Marques, Moçambique, creio que em 1948.
Entre Moçambique e Portugal continental foi fazendo a sua vida, sempre ligado ao mar, tendo realizado duas campanhas à pesca do bacalhau.
Depois do 25 de Abril de 1974, veio de vez para a sua Terra natal, onde terminou a sua actividade profissional como empresário na área da restauração.





Já na reforma, contra tudo e contra todos, como é “a sua imagem de marca”, dedicou-se à escrita e publica 4 livros. Três sobre “A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau - Achegas para a sua História - Vol. I, II e III, dados à estampa em 1997, 2000 e 2003. Em 2005, publica a quarta obra : “Memórias de Moçambique”.
Apesar dos quase 86 anos e algumas maleitas físicas, ainda não parou. Conforme me confessou há meia dúzia de dias atrás, enquanto tomávamos um café numa esplanada da Cova, tem pronto outro livro. Este, sobre a construção naval na foz do Mondego.
Já contactou algumas entidades para tentar obter ajuda para a sua publicação, mas não está a ser fácil. Como ele próprio diz: “santos de casa não fazem milagres”.
Como escrevi, talvez há uma década, numa crónica para o extinto “linha do oeste”, para mim, Manuel Luís Pata não é, ao contrário do que muitos julgam, até talvez ele próprio, um Homem teimoso. É sim, do meu ponto de vista um dos raros exemplos de verdadeira perseverança que conheço...

domingo, 18 de outubro de 2015

A barra da Figueira está assim por vontade dos homens

O meu Amigo Manuel Luís Pata, farta-se de dizer o seguinte: "há muita gente que fala e escreve sobre o mar, sem nunca ter pisado o convés de um navio".
Em 2003, lembro-me bem da sua indignação por um deputado figueirense - no caso o Dr. Pereira da Costa - haver defendido o que não tinha conhecimentos para defender: "uma obra aberrante, o prolongamento do molhe norte".
Na altura, Manuel Luís Pata escreveu e publicou em jornais, que o Dr. Pereira da Costa prestaria um bom serviço à Figueira se na Assembleia da República tivesse dito apenas: "é urgente que seja feito um estudo de fundo sobre o Porto da Figueira da Foz".
Como se optou por defender o acrescento do molhe norte, passados 12 anos, estamos precisamente como o meu velho Amigo Manuel Luís Pata previu: "as areias depositam-se na enseada de Buarcos, o que reduz a profundidade naquela zona, o que origina que o mar se enrole a partir do Cabo Mondego, tornando mais difícil a navegação na abordagem à nossa barra". 
Por outro lado, o aumento do molhe levou, como Manuel Luís Pata também previu, "ao aumento do areal da praia, o que está a levar ao afastamento do mar da vida da Figueira". Porém, e espero que isso seja tido em conta no disparate que é a projectada obra a levar a cabo pela Câmara Municipal da nossa cidade, "essa área de areia será  sempre propriedade do mar, que este quando assim o entender, virá buscar o que lhe pertence".

O projecto do Engº. Baldaque da Silva
Existe um estudo sobre como melhorar o Porto da Figueira. Quem estiver interessado pode consultá-lo na Biblioteca Municipal, num dos jornais locais de 1914.
Esse precioso e importante trabalho, refere a construção de um "paredão a partir do Cabo Mondego em direcção ao quadrante sul"
Esse projecto, da autoria do Eng. Baldaque da Silva,  para a construção da obra de um "Porto Oceânico", foi aprovado na Assembleia de Deputados para ser posto a concurso, o que nunca aconteceu, pois foi colocado numa gaveta. 
Neste momento, como as coisas estão na enseada de Buarcos, já não deverá ser possível colocar ali o "Porto Oceânico", uma vez que as construções ocuparam os terrenos necessários ao acesso àquilo que seria um porto daquela envergadura.
Porém, o estudo do Eng. Baldaque da Silva poderia servir de base para a construção de um paredão com cerca de 1 800 metros, que serviria para obstruir o acesso das areias à enseada de Buarcos, traria benefícios consideráveis: acabaria o depósito de areias na enseada, barra, rio e praia; ficaria protegida a zona do Cabo Mondego e Buarcos, evitando a erosão das praias da zona e os constantes prejuízos na Avenida Marginal; serviria de abrigo à própria barra, quando a ondulação predominasse de Oeste ou O/N.

A sustentabilidade do porto da Figueira da Foz
Um dia destes, tive acesso a uns sub- capítulos duma tese do arquitecto figueirense Manuel Traveira, sobre a questão dos molhes.  
Em 2011, na cerimónia de inauguração das obras do prolongamento do molhe norte, o Engenheiro José Luís Cacho, então Presidente da Administração do Porto da Figueira da Foz, sublinhou que “o porto da Figueira da  Foz, que os pessimistas de serviço já viam com certidão  de  óbito  passada,  estava,  afinal,  pujante,  de  boa  saúde  e,  agora,  com  estes avultados investimentos, mais preparado para enfrentar os desafios que se avizinham”.
No entanto, em 2013, o mesmo Engenheiro José Luís Cacho já  demonstrava uma grande preocupação com a futura sustentabilidade do porto comercial. 
"A quebra de receitas da administração do porto, devido à redução das taxas portuárias, é um facto preocupante", considerou, referindo ainda que tal situação é agravada por um "aumento futuro da despesa com as dragagens".
Por sua vez, o Dr.  Hermano  Sousa,  Presidente  da  Comunidade  Portuária  da Figueira da Foz, referia que “a capacidade instalada, de 3 milhões de toneladas/ano, está longe de ser atingida. Apesar da admirável evolução, não podemos dormir à sombra destes resultados..."  Do seu ponto de vista, para  maximizar  a  utilização  do  porto, "era preciso consolidar o estado da barra, fixando o calado, ao longo de todo o ano, primeiro  nos  6,5  metros  e,  posterior  e  idealmente, nos  7,5  metros, já  a pensar  nos  navios  de  nova  geração,  que  estão  agora  a  sair dos  estaleiros  e chegarão em breve ao  mercado".
Estudar e entender a dinâmica que cria o assoreamento de inverno  é um dos requisitos para que o calado do porto figueirense possa receber embarcações de grande porte. A solução apontada, porém, tem sempre passado  por dragagens, que custam muito dinheiro.
Imagem, entretanto, cedida pelo arquitecto Manuel Traveira

Bypass 
O bypass  proposto  pelo  movimento  SOS  Cabedelo,  poderia  ajudar  a atenuar  as sucessivas  dragagens  que  o  porto  tem  vindo  a  efectuar e, ao mesmo tempo, atenuar os efeitos da erosão a sul.
Manuel Traveira na elaboração da sua tese consultou  os  relatórios que acompanharam  as  obras  do  porto  da  Figueira  da  Foz  desde  1953 até 1972, elaborados  pelo  LNEC. Solicitou, também, os  estudos mais recentes  na Biblioteca  do LNEC,  mas  o  acesso público está  vedado por lei pelo período de 20 anos a contar da data  da  sua  realização.  Apesar  destes  condicionalismos, a  análise  dos  relatórios  do “Estudo em Modelo Reduzido do Porto da Figueira da Foz”, demonstraram-se bastante esclarecedores para a compreensão das dinâmicas de assoreamento a que o porto está sujeito.

1º  Fase  de  estudos,  1953-1961  
Segundo Manuel Traveira, até à construção dos molhes exteriores  do  porto comercial (1960-1966), os  estudos  do  LNEC  incidiram  a  sua  atenção  na análise  do regime fisiográfico  desta  zona  da  costa  portuguesa, ensaiando em  modelo reduzido  o esquema de  obras inicialmente proposto na procura do esquema ideal para as obras exteriores do porto.
Quanto ao estudo fisiográfico desta zona, concluiu-se que:
1-  A  direcção  da  ondulação  mais  frequente  e  mais  forte,  é  proveniente  de  oeste  e noroeste.  
“O  Laboratório  realizou  o  traçado  dos  planos  de  ondulação  […] mostraram que  […]  o seu rumo  é para norte do W  (oeste)  e apenas raramente, para  o  sul  daquela  direcção.  Do  mesmo  modo  se verificou  que  as  amplitudes mais fortes correspondem a rumos entre o W (oeste) e o NW (noroeste).”
2-  As  areias  que  causam  os  problemas  de  assoreamento  da  foz  do  Mondego  são provenientes  maioritariamente  do  mar.

O aumento da praia da Figueira
Já em 1958, antes do início das obras dos molhes, o LNEC  antevia  o  que posteriormente se veio a comprovar: o  enorme  aumento  da  praia  da Figueira da Foz devido à construção do molhe norte, uma vez que funciona como uma barreira ao forte transporte de areias que se faz sentir ao longo da costa de norte para sul.   
O excessivo crescimento da praia de banhos da Figueira, em todas as soluções ensaiadas, tornou-se altamente prejudicial à manutenção de boas profundidades no canal da barra, referindo-se que “no caso da Figueira da Foz, qualquer canal que venha a ser dragado, e de que resulte uma secção molhada muito superior à que actualmente existe, não se manterá logo que as areias comecem a contornar o molhe norte".
Este  fenómeno  de  assoreamento  do  estuário  é  facilmente  compreendido através  da análise  da  passagem  de  areias  que  ocorre  da  praia  a  norte para  a  praia  a  sul  do  rio Mondego e pela explicação de como se forma o banco da barra  (banco de areia que se forma em frente à Foz do rio Mondego, altamente prejudicial para a navegabilidade do porto)

Passagem de areias de norte para sul do rio
Na enchente as areias entram dentro do estuário donde são em parte ou na totalidade  expelidas  na  vazante  para  fora  do  estuário  depositando-se  a uma distância  maior  ou  menor  consoante  o  coeficiente  da  maré  e  a amplitude  da vaga. Só após o banco da barra ter atingido uma certa cota é que se começa a dar a passagem para as praias a sul. Neste caso, as areias expelidas pela vazante para o banco da barra caminham sob a acção das correntes de maré e da vaga para a praia a sul.
Outra imagem, entretanto, cedida pelo arquitecto Manuel Traveira, a quem deixo o meu agradecimento.

Uma  vez  que  a  areia  tenha  contornado  a  testa  do  molhe  norte começará a caminhar  ao  longo  da  face  interior  do  molhe. Forma-se, assim, um princípio  de cabedelo  que  se  vai  pouco  a  pouco  desenvolvendo  até  que as correntes  de vazante começam a erodi-lo e a transportar o material arrancado para fora das testas do molhes depositando-o na zona do futuro banco da barra.
Por  razões desconhecidas para Manuel Traveira,  eventualmente  explicadas  pelo conteúdo  de outros  estudos  aos  quais  não  teve  acesso,  a  construção  dos molhes  não  seguiu importantes  recomendações  apontadas  pelo  LNEC.  
A saber: o  traçado  curvo  do  molhe norte com a sua testa no alinhamento do antigo molhe sul (molhe velho), possibilitando uma maior protecção do estuário contra a penetração da vaga no seu interior; o molhe sul recuado (250  metros)  em relação ao molhe norte com  vista  a  facilitar  a  transposição natural das aluviões da margem norte do rio para as praias a sul; a construção de uma guia submersa no prolongamento do molhe velho, a fim de assegurar um traçado mais regular e com melhores profundidades.

2º Fase de estudos, 1968-1972  
Durante as obras exteriores dos molhes concluídas em 1966,  assistiu-se  a  um rápido  crescimento  da  praia  da  Figueira, o  que  levou  ao assoreamento do anteporto  e necessária acção de dragagem já em 1967. Confirmadas as previsões do LNEC de que as obras exteriores por si só seriam incapazes de resolver o problema,  este  realizou,  em  1967,  uma  reunião  entre engenheiros  da  Direcção  dos Serviços Marítimos (DSM) com o objectivo de procurar conhecer as possíveis soluções que a DSM previa encarar para a resolução do principal problema do porto da Figueira da Foz: o seu assoreamento a partir do mar
Nesta reunião, ainda de harmonia com o estudo de Manuel Traveira,  foi possível constatar que o caudal sólido litoral tinha assumido valores muito superiores aos dos estudos realizados até à construção dos molhes, e que seria urgente precisar esses valores com “a certeza antecipada  de  que  serão  elevados, pelo  que  este  problema  se  irá  sobrepor  a  todos  os demais que condicionam a exploração do porto.”
Como possível solução do problema foi considerada novamente a possibilidade de “instalação  de  uma  estação  de  bombagem  de  areias  com  conduta  de repulsão submersa, conjugada com um quebra-mar paralelo à praia, em posição a definir." Como a transposição artificial da totalidade do volume sólido afluente à praia da Figueira deveria conduzir a encargos dificilmente comportáveis pela exploração  do porto,  foi  posta  em  evidência  a  necessidade  de  conseguir  que parte da transposição se faça naturalmente por acção da onda e das correntes de maré.  Foi,  porém,  reconhecido  que  a  orientação  actual da  entrada  do  porto  é muito pouco propícia a esta transposição natural, pelo que se admitiu a hipótese de a alterar por um prolongamento do molhe norte.”

Porque não foi seguido o rumo que o LNEC sugeriu?
Devido à impossibilidade de aceder aos estudos mais recentes sobre o Porto Comercial, pelas razões anteriormente mencionadas, não foi possível a Manuel Traveira conhecer a razão pela qual, tanto nas obras interiores, realizadas na década de 1980 e 1990 do século XX, como nas obras exteriores do prolongamento do molhe norte iniciadas em 2008, se tenha optado por rumos diferentes dos sugeridos no plano geral de melhoramentos realizado pelo LNEC.
Todavia, segundo o SOS Cabedelo, o relatório do Grupo de Trabalho do Litoral (GTL) prevê a adopção de sistemas de transposição sedimentar" na barra da Figueira - 1,1Mm3 em cada ano - um circuito altenativo à passagem das areias na frente da barra que provocam a rebentação na entrada do Porto Comercial. 
O Programa da Orla Costeira (POC), agora em discussão à porta fechada, em vez de avançar para a solução refugia-se na intenção das avaliações custo-benefício agravando o prejuízo a cada dia que passa.

Actualização às 10 horas e 18  minutos.
Acabei de inserir duas imagens que me foram disponibilizadas pelo Arquitecto Manuel Traveira, a quem aproveito para agradecer.
"É urgente demonstrar às pessoas que existe um problema muito grave mas que tem solução. Basta de tanta mentira."
De realçar o papel deste figueirense nesta importante e cada vez mais urgente missão.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Passaram sete dias...


Entre a foto, que pode ver clicando aqui, e a foto desta postagem, passaram sete dias.
Durante estes sete dias, nós, aqui no Outra Margem, e outros meios de informação (conforme pode ver aqui, aqui e aqui) fomos alertando, mas a situação continua a que a foto obtida hoje à tarde mostra.
A única intervenção visível no local, foram umas grades amarelas (na foto, no canto superior direito), colocadas onde a duna de areia já foi, e começa o passeio que bordeja a estrada, devido á erosão provocada pelo mar.
Só, para mais uma vez, avivar a memória, e por o seu conteúdo ser do maior interesse, vamos recuperar, com devida vénia, uma carta do SENHOR MANUEL LUÍS PATA, publicada no dia 26 de Março de 2007, no “Diário de Coimbra”, pág. 8, na secção Fala o Leitor, com o título:

“Erosão das Praias”

Permitam que me identifique:

Manuel Luís Pata, nascido há 82 anos na povoação da Gala (à beira do mar), Figueira da Foz e filho, neto e bisneto de marítimos. Também eu como os meus ascendentes, segui a vida do mar, onde aprendi a ser homem. O mar foi para mim um grande Mestre… E a vida que escolhi levou-me a conhecer novos horizontes!...
Vivi 20 anos em Moçambique. Cinco na marinha mercante e quinze na província da Zambézia, catorze dos quais a governar um dos navios da Sena Sugar Estates, o “ Mezingo”.
Além do meu serviço normal, prestei no rio Zambeze preciosos e gratuitos serviços ao Estado. Entre outros, recordo com muita tristeza, quando estive 20 dias com o meu navio nas operações de recolha de “ corpos de militares e recuperação de 22 viaturas” de uma coluna militar que no dia 21 de Junho de 1969 seguia num batalhão e se afundou no rio Zambeze, quando fazia a travessia da Chupanga para Mopeia, perecendo neste naufrágio 103 militares e 2 civis. Esteve a comandar estas operações o então Capitão do Porto do Chinde, sr. Comandante Fernando Manuel Loureiro de Sousa. Sou um simples cidadão que ama a sua Pátria. É esta a razão que me leva a lutar pelo bem do meu pobre País, que continua a ser destruído, não pela natureza, mas sim pelo ser humano!...

Qual a principal causa da catástrofe que se avizinha?

Depois da “ exemplar descolonização”, regressei à minha terra natal, aqui à beira-mar plantada e, a partir de 1992, passei a dedicar o meu tempo a escrever sobre a pesca do bacalhau, tendo concluído três livros e, ao mesmo tempo, a estudar a preocupante situação da erosão costeira, principalmente na zona centro.
Devido às grandes quantidades de areias (milhões de m3) dragadas no porto de Aveiro e depositadas na Gafanha da Nazaré, para vender; as grandes quantidades dragadas na enseada de Buarcos, na barra, e na foz do Mondego e descarregadas na Murraceira, com o mesmo destino, além da que foi directamente transportada para Vigo, pelas próprias dragas… Na Praia da Figueira, há também muitos milhões de m3, retidas pelo molhe norte, além da já vendida.

Os molhes da barra da Figueira da Foz

Foram estes “Molhes” que provocaram a erosão das praias a sul da Figueira, e foi o “ Molhe Norte” que originou a sepultura da saudosa “ Praia da Claridade”, a mais bela do país. Embora seja de conhecimento geral, quão nefasto foi a construção de tais molhes teimam em querer acrescentar o “Molhe Norte”, como obra milagrosa… Santo Deus! Tanta ingenuidade e tanta teimosia!... Quem defende tal obra, de certo sofre de oftalmia ou tem interesse no negócio das areias!...
É urgente contratar técnicos credenciados, de preferência Holandeses, para analisarem o precioso projecto elaborado pelo distinto Engenheiro Baldaque da Silva em 1913, do qual consta um Paredão a partir do cabo Mondego em direcção a Sul, a fim de construir um Porto Oceânico junto ao Cabo Mondego e Buarcos. Este Paredão, sim, será a única obra credível, não já para o tal Porto Oceânico mas sim para evitar que as areias vindas do Norte, se depositem na enseada, que depois a sucessiva ondulação arrasta-as e deposita-as na praia da Figueira, barra e rio.

A erosão da Costa da Caparica

Esta situação é, em parte, devida à extracção e venda das areias, conforme acima descrito. Sim, porque as areias não sendo seres vivos movimentam-se devido às correntes. A solução para este problema, não poderá ser resolvido simplesmente com areia. Necessita sim, de estacaria de madeira ou várias filas e, depois colocar pinheiros ou eucaliptos ao comprido com a própria rama entre a estacaria. Depois sim, a areia.
Penso que o facto de o mar atacar mais esta zona, poderá também ser devido à pedra que foi colocada à volta do Farol do Bugio. Como a área da ilhota aumentou, pode ter alterado as correntes na zona.
Há sete anos o mar afundou cerca de três metros as praias da Cova Gala. Penso que o fenómeno se deveu a razões semelhantes… Os cientistas há muito que vêm alertando que os oceanos estão a subir… porém, a degradação da orla costeira deve-se na maior parte ao homem e não à Natureza… No entanto, neste degradado País, continuam a roubar as areias ao mar para vender… Até quando!!!...

Manuel Luís Pata
Figueira da Foz

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Esta nossa barra... (III)

Extracto de uma carta do VELHO SENHOR NA FOTO, publicada no dia 26 de Março de 2007, no “Diário de Coimbra”, pág. 8, na secção Fala o Leitor, com o título: “Erosão das Praias”:
Manuel Luís Patafotografado por Pedro Agostinho Cruz,
  no decorrer de um agradável café, acompanhado, como é habitual
 quando nos encontramos, de uma  empolgante  conversa sobre
 porto e a barra da Figueira, à mesa do Bar Borda do Rio, na Cova-Gala
"Foram estes “Molhes” que provocaram a erosão das praias a sul da Figueira, e foi o “ Molhe Norte” que originou a sepultura da saudosa “ Praia da Claridade”, a mais bela do país. Embora seja de conhecimento geral, quão nefasto foi a construção de tais molhes teimam em querer acrescentar o “Molhe Norte”, como obra milagrosa… Santo Deus! Tanta ingenuidade e tanta teimosia!... Quem defende tal obra, de certo sofre de oftalmia ou tem interesse no negócio das areias!...
É urgente contratar técnicos credenciados, de preferência Holandeses, para analisarem o precioso projecto elaborado pelo distinto Engenheiro Baldaque da Silva em 1913, do qual consta um Paredão a partir do cabo Mondego em direcção a Sul, a fim de construir um Porto Oceânico junto ao Cabo Mondego e Buarcos. Este Paredão, sim, será a única obra credível, não já para o tal Porto Oceânico mas sim para evitar que as areias vindas do Norte, se depositem na enseada, que depois a sucessiva ondulação arrasta-as e deposita-as na praia da Figueira, barra e rio."


Na Figueira, há mais de 100 anos que os engenheiros se dedicam a fazer estudos para a construção de uma barra.
Passando ao lado, para já, do projecto do Eng. Baldaque da Silva, por este defender a construção de um Porto Oceânico (recorde-se: em 1914 foi aprovado na Assembleia de Deputados um estudo que previa a construção  de um “Paredão”, a partir do Cabo Mondego em direcção ao sul. Infelizmente, ficou na gaveta...), temos:
1 – Em 1874-1875 procedeu-se à construção de um molhe, com grandes blocos de cimento, na praia do Cabedelo, a oeste das casas de férias da Direcção Geral dos Portos. Estes blocos estão enterrados, pelas obras que entretanto  foram  executadas. Esta obra decorreu sobre a responsabilidade do eng. Adolfo Loureiro.
2- Em 1929, surge novo projecto também em blocos, mas mais a norte. Não se sabem ao certo as razões que levaram a abandonar  a ideia anterior, mas presume-se que tenha sido para estreitar a barra e, assim, aumentar a corrente no decorrer da vazante, para permitir que as areias pudessem ser arrastadas para o mar.
Isso, levou a que o canal de navegação  fosse deslocado para norte,  onde existem lajes no fundo, o que limitou a tão desejada profundidade desta nossa barra.

Depois desta segunda obra, os pescadores e os figueirense passaram a chamar aos blocos abandonados e que pertenciam ao anterior projecto, “os blocos velhos”.
O projecto do ponto 2 é o que definiu a barra que temos hoje. Tiveram de rebentar  parte da laje do fundo e as dragagens são constantes. Mesmo assim, a Figueira continua a não ter um porto capaz e eficiente –  neste momento, principalmente para os barcos de pesca que operam a partir da Figueira.   

Entretanto,  apesar de algumas  vozes discordantes – principalmente de homens ligados e conhecedores do mar e da barra da Figueira – foi concluído o prolongamento do molhe norte.
Os resultados, infelizmente, estão à vista: este ano já morreram seis pessoas à entrada desta nossa barra.
As dragagens  realizadas na enseada, na barra e no rio, na opinião de Manuel Luís Pata – velho e teimoso lutador contra as obras que têm sido feitas, nomeadamente o prolongamento do molhe norte, a que chama a obra “madastra”, fazendo alertas para o que iria acontecer – são a “principal causa da assustadora erosão da costa marítima, principalmente e S. Pedro de Moel para o norte”
Ao contrário de Leixões, cujo molhe está curvado a sul, mas  está construído em local fundo, onde por isso o mar não rebenta, na foz do Mondego, devido ao constante assoreamento provocado pelas areias que vêm do norte, o mar rebenta mesmo á saída da barra, tornando-a na opinião de muitos pescadores com quem convivemos todos os dias, neste momento, a pior barra do país para os pequenos barcos de pesca.
Como evitar isto?
Na opinião de Manuel Luís Pataum exemplo de perseverança, só há uma alternativa: “fazer o molhe a partir do Cabo Mondego para sul, o que não só serviria de barragem às areias, como também abrigaria a zona do Cabo Mondego e Buarcos, evitando-se assim as investidas do mar na marginal e que ainda há pouco tempo causaram importantes estragos na zona da Tamargueira."

Como me tem dito ao longo dos anos o velho e experiente Homem da foto acima, nas inúmeras e enriquecedoras conversas que ao longo da minha vida com ele tenho tido, e que foram a base deste texto,  “a Figueira nasceu numa paisagem ímpar. Porém, ao longo dos tempos, não soubemos tirar partido das belezas da Natureza, mas sim destruí-las com obras aberrantes. Na sua opinião, a única obra do homem  de que deveríamos ter orgulho e preservá-la, foi a reflorestação da Serra da Boa Viagem por Manuel Rei. Fez o que parecia impossível, essa obra foi reconhecida por grandes técnicos de renome mundial. E, hoje, o que dela resta? – Cinzas!..

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Da série, o areal urbano está assim por erros e falta de visão do homem... (6)

"Soltem as areias", por Ana Oliveira
"Na Figueira da Foz nunca nada foi fácil e no que se refere à imagem da nossa cidade a história nunca relatou muitos consensos. A questão do areal urbano não é exceção, porque a solução para este espaço tem, seguramente, duas visões, bem distintas uma da outra.A primeira visão, da autoria do executivo socialista, teve a sua concretização mitigada em 2016. Uma solução a que se deu o nome pomposo de “Requalificação e valorização da frente mar e praia”. Projeto esperado com muita expectativa por todos os figueirenses, pois sendo a única obra do município, verdadeiramente pensada e idealizada, num valor que ultrapassou os dois milhões de euros seria, no mínimo, de impressionar os mais críticos!
Perante isto, qual foi, afinal, a solução encontrada pela Câmara Municipal? Será que a intenção foi fomentar o turismo? Só se for com a entrada para o recorde do Guiness do maior parque de merendas à beira mar da Europa, mas, para isso, convinha aumentar os bancos e mesas de cimento! Ou o intuito era a criação de riqueza através da atração de investimento e por sua vez criar postos de trabalho? Perante aquilo que é visto só me ocorre dizer que a intenção seria criar parcerias com empresas de fabrico de chapéus de sol ou de protetores solares. Confesso que desta solução milionária não vislumbro muito mais do que exponho!
A segunda visão para o areal urbano é valorizar a nossa praia e a nossa cidade. Sou defensora desta ideia e igualmente defensora de não “enterrar dinheiro na areia”. Neste sentido, nada melhor que a fase que atravessamos, onde se discute o Orçamento do Estado para, quem lidera os destinos do nosso concelho, pressionar e “influenciar” o governo central a definir e aumentar verbas especificas para uma estratégia global, estruturada que retarde e minimize os efeitos da erosão costeira e que sirva também, de uma vez por todas, para realizar o reclamado e prometido estudo para avaliar mecanismos de transposição de areias. No fim de contas, a solução é só uma: soltem as areias e devolvam-nos a bela Figueira de outros tempos!"
"Desafios em vez de soluções", por Ana  Carvalho
"Normalmente, pedimos soluções para resolver problemas e situações negativas. Por isso, como princípio de conversa, esclareço, desde já, que não considero que o areal da praia da Figueira da Foz tenha de ser um problema ou algo negativo. Pelo que substituo a palavra solução por desafio.
E o primeiro grande desafio que se coloca aos figueirenses é mesmo a mudança de paradigma relativamente ao areal. Por que não passar a ver a dimensão do nosso areal como uma vantagem, largando de vez o saudosismo que tanto nos bloqueia? Ao contrário de quase todas as praias urbanas da Europa, a nossa tem um incrível areal que protege a cidade, com uso público, ganho ao domínio marítimo, pelas razões antrópicas que todos conhecemos. Mesmo no pico do verão, estando a decorrer em simultâneo um festival de música que nos traz 100 mil pessoas e um torneio mundial de râguebi, conseguimos estar descansadamente na nossa toalha a ler um livro ou a jogar à bola no areal com os nossos filhos. Isto não é um ponto forte!?
Segundo desafio, reconhecer o quanto o areal já é aproveitado e pode continuar a ser. Diariamente, vemos centenas de pessoas a caminhar ou a andar de bicicleta nas novas ciclovias e passadiços. Algo que vai incrementar, ainda mais, com a ajuda das Figas. Todos os anos, tem aumentado o número de eventos desportivos de praia, desde o râguebi, ao vólei, ao futevólei e ao futebol, sendo esta praia a casa da final da Euro Beach Soccer League. Terceiro desafio que lanço é à própria APA, para permitir os usos que gostaríamos de ver na praia. Desde colocar mais estabelecimentos de apoio à praia, desportivos e de lazer, percebendo, de uma vez por todas, que esta praia é, de facto, diferente de todas as outras.
Há, no entanto, outras praias no concelho que, essas sim, têm o grave problema de falta de areia e é para isso que tem de haver soluções: executar a retirada de três milhões de metros cúbicos de areia do norte do molhe norte e colocar nas praias a sul até à Leirosa, e definir, finalmente, a solução sistemática que garantirá a transposição de areias regular que evitará a erosão costeira a sul e o aumento do areal a norte. Aceitam os desafios?"

Nota via OUTRA MARGEM.
Como se optou por defender o acrescento do molhe norte, passados 10 anos, estamos precisamente como o meu velho Amigo Manuel Luís Pata previu: "as areias depositam-se na enseada de Buarcos, o que reduz a profundidade naquela zona, o que origina que o mar se enrole a partir do Cabo Mondego, tornando mais difícil a navegação na abordagem à nossa barra".
Por outro lado, o aumento do molhe levou, como Manuel Luís Pata também previu, "ao aumento do areal da praia, o que está a levar ao afastamento do mar da vida da Figueira".
E não foi por falta de avisos que foram cometidos tantos erros de planeamento territorial e urbanístico na na Figueira da Foz.
Voltando ao saudoso Mestre Manuel Luís Pata, também sempre uma das vozes discordantes do prolongamento do molhe norte. Um dia, já distante, em finais de janeiro de 2008, confessou-me: "ninguém ouve" “A Figueira nasceu numa paisagem ímpar. Porém, ao longo dos tempos, não soubemos tirar partido das belezas da Natureza, mas sim destruí-las com obras aberrantes. ”
Foram estes “Molhes” que provocaram a erosão das praias a sul da Figueira, e foi o “Molhe Norte” que originou a sepultura da saudosa “ Praia da Claridade”, a mais bela do país. Embora seja de conhecimento geral, quão nefasto foi a construção de tais molhes teimam em querer acrescentar o “Molhe Norte”, como obra milagrosa… "Santo Deus! Tanta ingenuidade e tanta teimosia!... Quem defende tal obra, de certo sofre de oftalmia ou tem interesse no negócio das areias!.."
Ah, pois é: ninguém o ouviu e agora temos as consequências...

Com tanta falta de areia a sul - e isso é problema... até foi permitido que a areia da Praia da Figueira fosse salvar praias espanholas:


"(…) Os que não conseguem lembrar o Passado estão condenados a ter que o repetir (…)"…
- George Santayana, 1905
"(…) Que os homens não aprendem muito com as lições da História é a mais importante de todas as lições que a História tem para ensinar (…)"…
Aldous Huxley
, 1959

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

À memória do Capitão Álvaro Abreu da Silva recentemente falecido...

FALECEU O CAPITÃO FIGUEIRENSE ÁLVARO ABREU DA SILVA, UM DOS ÚLTIMOS CAPITÃES PORTUGUESES DA PESCA LONGÍNQUA DO BACALHAU À LINHA; PIONEIRO DA TRANSFORMAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE TRABALHO DESUMANAS DOS PESCADORES PORTUGUESES DESSA PESCA; E ASSOCIADO HONORÁRIO DO CENTRO DE ESTUDOS DO MAR (CEMAR)
Diário de Coimbra de 18.1.2018

O Centro de Estudos do Mar e das Navegações Luís de Albuquerque (CEMAR) cumpre aqui a obrigação de anunciar a triste notícia do falecimento do seu Associado Honorário, e figura significativa da História Marítima portuguesa e da Foz do Mondego, o Capitão figueirense Álvaro Abreu da Silva, que nos anos 60 do século XX foi um dos últimos capitães portugueses da pesca longínqua do bacalhau à linha, e teve o mérito de ter sido pioneiro da transformação das condições de trabalho desumanas dos pescadores portugueses desse tipo específico de pesca.
Álvaro Abreu da Silva nasceu em 1933 na praia da Vieira de Leiria, numa família numerosa e proprietária de uma das "Artes" (pesca de cerco e alar para terra) da pesca local. Completou os estudos liceais na Figueira da Foz, onde desde a adolescência começou a praticar vela e a participar em regatas.
Fez a sua formação em Lisboa na Escola Náutica, e aí terminou o curso de Pilotagem em Julho de 1957. Logo no mês seguinte realizou o seu sonho de embarcar, como piloto, para o mar alto. Depois de experimentada a pesca de arrasto lateral, onde chegou a fazer duas viagens num só ano (desde logo em onze meses no mar), passou em 1960 para a pesca longínqua do bacalhau à linha, nos mares da Terra Nova e da Gronelândia (no navio "Senhora do Mar", do Porto), e ficou chocado com a vida duríssima dos homens dos dóris. Desiludido com essa experiência, voltou nesse mesmo ano à pesca de arrasto, como imediato, nos litorais africanos do Cabo Branco e da Mauritânia. Aí, em 1961, desempenhou pela primeira vez funções de Capitão.
Comandou, portanto, então, em 1961, um navio de pesca português nos mesmos litorais africanos que haviam sido os litorais reconhecidos pelos Portugueses quinhentos e vinte anos antes (no século XV, em 1441), exactamente ao mesmo tempo em que em Portugal (nesse mesmo ano de 1961) estavam a acabar de ser orquestradas e oficiadas as grandes Comemorações oficiais desses tais "Descobrimentos Portugueses" (os ditos "Descobrimentos Henriquinos" [sic], no Cabo Branco e na Mauritânia…), por ordem dos dirigentes políticos portugueses do regime desse tempo (1960-1961): uns Exos. Srs. chamados Prof. Doutor Oliveira Salazar (Universidade de Coimbra), Alm. Américo de Deus Rodrigues Thomaz, etc., em pomposos cortejos litúrgicos e em anedóticos rituais que foram trombeteados em Sagres (!), Tomar, Viseu, Lisboa, etc..
Quer isso dizer que, nesses mesmos anos de 1960-1961 (que, para alguns, foram anos de celebrações bizantinas, e para outros foram anos de trabalho regular), aconteceu a situação espantosa e impressionante de que quem efectivamente estava a navegar e a comandar um navio português nos litorais inóspitos e desérticos do Saara, no Cabo Branco e na Mauritânia — os litorais cuja navegação oceânica havia sido iniciada na década de 40 do século XV pelos navegadores Nuno Tristão, Gomes Pires, Álvaro Fernandes e outros, nas navegações portuguesas ordenadas nessa década de 40 em que o Regente de Portugal foi o Infante Dom Pedro, Duque de Coimbra e Senhor de Montemor-o-Velho, Buarcos (Foz do Mondego), Mira, Aveiro, Ílhavo, etc. — continuou a não ser ninguém proveniente de Sagres, ou de Viseu... e foi sim um jovem Capitão português que, por acaso, era proveniente da Beira Litoral… da Foz do Mondego…
E esse trabalho foi feito ao mesmo tempo que o Doutor Salazar (UC) e o Alm. Américo Thomaz, em terra, celebraram as anedóticas mentiras políticas da "Escola de Sagres", etc., etc..
A História, ainda que paradoxal, é sempre exemplar, para quem for capaz de a escutar.
No ano seguinte, de 1962, Álvaro Abreu da Silva teve que voltar à pesca à linha, como imediato, num navio de Lisboa. Em 1965, foi pela primeira vez, como imediato, no navio "José Alberto", da Figueira da Foz. Mas dois anos depois (em 1967), nesse mesmo navio de quatro mastros "José Alberto" (o mais célebre dos navios figueirenses), e então já como Capitão, foi Álvaro Abreu da Silva que comandou a viagem à Terra Nova e à Gronelândia no decorrer da qual veio a ser filmado pela National Geographic Society o filme documentário "The Lonely Dorymen" [Os Solitários Homens dos Dóris] (1968), o melhor filme desse tipo sobre a pesca longínqua do bacalhau à linha (a pesca que os Portugueses, anacronicamente, em pleno século XX, continuavam a praticar, em condições absolutamente desumanas, com um homem sozinho em cada dóri, no Árctico, usando tecnologias pouco mais do que medievais).
Se este capitão figueirense não tivesse aceitado (na verdade, querido aceitar) essa equipa de reportagem a bordo do seu navio — precisamente para levar ao mundo a revelação do que era aquela incrível realidade… —, esse documento, único e irrepetivel, em plena década de 60 do século XX, não teria ficado, para sempre, à disposição do olhar dos vindouros. Assim, ficou.

Em 1972, considerando cada vez mais difícil de justificar tanto sofrimento e sacrifício dos homens dos dóris (sozinhos durante tantas horas a bordo de botes tão pequenos em pleno Mar Árctico), Álvaro Abreu da Silva teve um papel decisivo na grande e inédita revolução então operada: conseguiu convencer o armador a um plano de renovação da modalidade de pesca, que deixou de usar botes e linhas e passou a usar redes de emalhar (sem que os pescadores tivessem que sair do navio, que passou a ser aquecido interiormente, com as redes de emalhar largadas e recolhidas pelo próprio navio, e o trabalho dos homens realizado por turnos).
Álvaro Abreu da Silva considerou essa transformação das condições de trabalho como uma sua grande realização, e disso sempre se orgulhou. Em 1985 fez a sua última viagem, e reformou-se. Teve a felicidade de nunca ter perdido um só homem das suas tripulações, ao longo de toda a sua vida profissional (e com isso também sempre se alegrou).
Em 1998, na companhia do historiador autodidacta local Manuel Luís Pata, e de outros, foi o Capitão Álvaro Abreu da Silva que fez ouvir a sua voz em defesa da tentativa (que, no entanto, veio a revelar-se inglória…) de a Figueira da Foz conseguir salvar da sucata o seu último navio da pesca longínqua do bacalhau (o navio, chamado "Sottomaior", que, depois, veio a chamar-se "José Cação"). O próprio Álvaro Abreu da Silva havia comandado esse navio, no passado; e o tipo de embarcação de que se tratava, e as transformações pioneiras por que havia passado, serviriam exemplaremente para o fim museológico que se pretenderia. Mas, infelizmente, a salvaguarda desse último exemplar de Património Cultural Marítimo figueirense, e a paralela criação, logo então, do Museu do Mar (que nesta cidade da Foz do Mondego já era ansiada desde há tantas décadas), não foram então possíveis.
O navio foi para a sucata, e o Museu do Mar ainda hoje continua sem ter sido criado.
Não há dúvida de que, quando esse Museu for criado (e ele vai ter que ser criado, mais cedo ou mais tarde), a memória de Álvaro Abreu da Silva vai ter que ser lá evocada (tal como as memórias de João Pereira Mano, ou de Manuel Luís Pata).
O Centro de Estudos do Mar, em Março de 2008, por decisão da sua assembleia geral realizada na Praia de Mira, passou a ter como os seus dois primeiros Associados Honorários os dois Capitães portugueses do século XX que tão bem representavam as gerações de homens do mar que, secularmente, saíram para o mundo pela Foz do Mondego: o Capitão João Pereira Mano, capitão da Marinha Mercante, e autor principal da História Marítima figueirense (cujos livros foram todos publicados pela nossa associação científica) e o Capitão Álvaro Abreu da Silva, capitão da Marinha de Pesca, nascido na Praia da Vieira, e figueirense por adopção.
Nessa ocasião, em 2008, foi organizada uma Homenagem a Álvaro Abreu da Silva e a Manuel Luís Pata, na Praia de Mira, pelo Centro de Estudos do Mar e a Câmara Municipal de Mira, e foi publicada a tradução portuguesa, pelo CEMAR, do texto do filme "The Lonely Dorymen" [Os Solitários Homens dos Dóris] (USA, NGS, 1968).
Actualmente está em curso o projecto, dinamizado pelo CEMAR, no sentido de se tentar editar uma edição digitalizada desse filme de 1968 protagonizado por este Capitão figueirense, a sua tripulação, e o seu navio.

Texto: Centro de Estudos do Mar - CEMAR